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A mãe de Bernard Chapman certa vez disse ao filho que as pessoas sabem quando algo especial vai acontecer. Que elas pressentem o momento em que alguma coisa com o potencial de mudar suas vidas para sempre está prestes a virar a esquina e trombar com elas na rua. O problema é que costumamos olhar para o lado errado ao caminhar e, preocupados com ninharias sem importância, deixamos a tal Coisa Especial passar despercebida.

- Você precisa prestar atenção, Benny – dissera a mãe de Chapman. Ele devia ter nove ou dez anos na época. – Precisa saber olhar. Porque, se você olhar para o lado errado, então a Coisa Especial vai passar bem debaixo do seu nariz, tocando trompetes e acenando com sinalizadores, e ainda assim você não vai vê-la. É por isso que tantas pessoas terminam suas vidas tristes e com a sensação de que não estão onde deveriam estar: porque não souberam olhar.

A mãe de Chapman, claro, tinha propriedade para falar do assunto. Naquela semana, ela não só trombara com sua Coisa Especial virando a esquina como também a levara para jantar e depois para a cama. Agarrara-a com unhas e dentes. Julianne Chapman encontrara um bilhete de loteria caído em uma poça d'água na calçada em frente à lavanderia em que trabalhava, pinçara aquele pedacinho de papel molhado e pensara "maldição, por que não?". O resultado: ela ganhara uma bolada de 75 mil dólares. O suficiente para tirar a família do lamaçal de dívidas em que os Chapman estavam atolados. Tudo porque ela pressentira o quando, aproveitara o momento e, o mais importante de tudo, soubera olhar na porra da direção certa.

Chapman, por sua vez, também acreditava na Teoria da Coisa Especial, e não porque sua mãe encontrara um bilhete de loteria descartado na rua (ele considerava isso apenas sorte e nada mais, embora jamais tivesse contado tal coisa à mãe). Chapman sabia que a Coisa Especial era real por já tê-la experimentado na pele. Aquelas ocasiões de ruptura que são como marcos de divisão na vida, separando a existência em Antes e Depois. A morte do pai de Chapman fora um desses momentos; sua admissão em Quântico fora outro, assim como sua graduação como agente do FBI e a manhã em que entrara em um Starbucks e deparara com a mulher mais bonita do mundo servindo café para conseguir pagar a faculdade de Direito. Mulher que ficou ainda mais bonita quando ele colocou uma aliança dourada em seu dedo esquerdo. E Chapman desconfiava de que se desencontrara de uma porção de outras Coisas Especiais por não saber olhar.

Algo que sua mãe não lhe dissera, por não saber ou por saber e escolher ignorar, era que essas Coisas Especiais, às vezes, podiam ser más. Podiam ser terríveis. Elas não passavam por você na rua e acenavam "ei, estou aqui!". Não. Elas viravam a esquina com um taco de beisebol nas mãos e avançavam para espancar você até quebrar suas pernas, suas costelas e seu coração. E você permanecia quebrado pelo resto da vida.

O que aconteceu em Fallpound naquele dezembro de 2009 foi uma Coisa Especial desse tipo. Quebrou Chapman para sempre. E quebrou Sophia Manning também.

***

Eles chegaram à pequena cidade em uma manhã ensolarada de quinta-feira. Chapman estava exausto depois de dirigir durante duas horas sem parar de Boston até Fallpound, e Sophia sentava-se em silêncio ao seu lado, o vidro do passageiro baixado para que a fumaça do cigarro que ela tragava pudesse sair do veículo. Uma vez, Chapman perguntara à garota quantas daquelas coisas ela fumava por dia, e Sophia respondera:

- Vinte cinco. Um cigarro para cada ano que tenho de vida. Quer um?

Sophia percebeu que ele a fitava de canto e virou para ele os enormes olhos verdes. Chapman a conhecera quando ela tinha só sete anos, e ela não crescera muito de lá para cá, exceto por aqueles olhos: eles pareciam ter dobrado de tamanho.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now