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Sophia parou a viatura em frente a uma farmácia e esvaziou a carteira em cima do balcão, pedindo tudo em analgésicos. Não era só seu ombro baleado que doía agora – a coceira em sua mão decepada cessara e dera lugar a fisgadas quentes que subiam por seu braço em ondas que pareciam pequenas descargas elétricas, repuxando os músculos. A sensação era enlouquecedora.

Saiu do estabelecimento com 12 caixas de analgésicos, o suficiente para entrar em coma, se quisesse. Então estancou no meio da calçada. De repente, os pelos de sua nuca ficaram arrepiados. Sentiu os mamilos endurecerem e seu corpo retesou. Conhecia aquela sensação de perigo e adrenalina. Experimentara algo parecido nas florestas de Fallpound, enquanto olhos invisíveis a espiavam das sombras das árvores.

Alguém a vigiava.

É ele.

Quem mais poderia ser? Sem piscar, Sophia jogou a sacola com as caixas de analgésicos dentro da viatura e olhou em volta. Com exceção de um casal que passeava de mãos dadas e um jovem andando de skate, não havia mais ninguém por perto. O único veículo à vista era um táxi estacionado no fim da rua. A garota estudou as janelas das casas, esperando ver uma sombra escura e alta observando-a detrás de uma delas, olhos amarelos e cheios de uma fome insaciável.

Não viu nada. Mas ele estava ali. Ela sentia.

Ainda com aquela sensação de estar sendo observada, Sophia entrou na viatura, abriu uma caixa de analgésicos e enfiou três comprimidos na boca, engolindo em seco. Depois, deu partida no veículo.

- Venha atrás de mim – disse enquanto lutava para dirigir usando apenas a mão esquerda. – Estou esperando, seu filho da puta. Venha atrás de mim.

***

Entrou no estacionamento do Days Inn New Shore, parou a viatura de qualquer jeito em uma vaga e saiu para a chuva. Àquela altura a sensação de olhos perfurando sua nuca já tinha passado, mas algo continuava estranho. Diferente. Foi só quando subia a escadinha que levava à entrada do pequeno hotel que Sophia descobriu o que havia de errado: ela não escutava o barulho de moedas batendo. A garota parou no último degrau e olhou em volta, mas não viu o mendigo com sua latinha em lugar nenhum.

Ele tinha ido embora.

***

Sophia jamais imaginou que seria tão difícil voltar para aquele quarto vazio e escuro de hotel.

Há apenas duas noites, ela se sentara naquela sala com Chapman, Grimmes e Watson, rindo e bebendo cerveja. Grimmes a abraçara tão apertado. E Watson perguntara se ela continuava rápida no gatilho. Naquela manhã ela acordara na cama com Chapman ao seu lado – tinha ido dormir com ele por causa dos pesadelos. Agora tudo o que restava dele era uma camisa branca e amassada largada em cima do colchão. Agora ele estava morto, e Watson estava morto, e Grimmes estava em uma cama de hospital. É terrível pensar em como as pessoas que realmente importam alguma coisa simplesmente vão embora dessa vida – ou são tiradas dela, deixando para trás apenas aquele vazio. O inferno é a ausência dos outros. Uma hora você está abraçando e beijando e na outra – poof! – está sozinha em um quarto de hotel enquanto a chuva tamborila na janela e seu coração parece despencar trinta andares dentro do seu peito antes de se espatifar no chão do seu estômago. Que coisa mais frágil e rápida é o amor.

Sophia fechou devagar a porta atrás de si e foi até a cama, pegando a camisa de Chapman. Levou-a ao nariz e sentiu o cheiro da loção pós-barba dele.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now