4

397 67 13
                                    



Quando o agente especial Yuri Watson entrou em New Shore, sua cabeça ainda se encontrava em Sophia Manning. Ao longo dos anos, ele se acostumara a lembrar dela nos momentos mais estranhos. Ela simplesmente saltava à sua mente sem horário marcado: ele podia estar na academia, lendo um livro, jantando com a esposa, brincando com a filha, no trabalho e, de repente, Sophia surgia em seus pensamentos, fazendo-o se perguntar onde ela estava, se estava bem, se estava viva. Era como uma música favorita, que você escuta até não aguentar mais, esquece que existe e, um dia, sem perceber, se pega cantarolando o refrão e sente uma necessidade incontrolável de colocá-la para tocar de novo.

Yuri estava tão distraído pensando nela, lembrando-se da primeira vez em que colocara uma arma em suas pequenas mãos para ensiná-la a empunhar, mirar e atirar – a garota tinha uma pontaria divina – que passou reto no sinal vermelho, desencadeando uma série de buzinas irritadas e xingamentos à sua mãe. Isso colocou seus pés de volta na realidade e ele apertou com força o volante do Ford Ranger que dirigia.

- Tudo bem? – perguntou Norman Grimmes no banco de passageiro. Eles eram parceiros desde o que acontecera em Fallpound.

- É, tudo – Watson disse. À frente deles, a viatura da polícia de New Shore continuava guiando-os pela cidade, mostrando o caminho até o local do crime. As sirenes gritavam, suas luzes girando e manchando a vista de Watson ora de vermelho e ora de azul, atraindo a atenção de quem andava pelas calçadas.

- Pensando em Sophia?

Watson suspirou fundo. Tinha contado a Grimmes a conversa que tivera com Chapman ao celular.

- Estou – ele disse. – Estava.

No banco de carona, Grimmes assentiu, como se conseguisse ler os pensamentos de Watson, da maneira que Sophia costumava fazer. O garoto mudara desde Fallpound. A vida temperara o aço que sempre existira nele. Seu rosto, que antes podia facilmente estampar capas de revistas de moda, adquirira traços sólidos, as linhas da mandíbula e do queixo se destacando, dando-lhe uma aparência de quem andava sempre de maxilar trincado. Isso não o deixava menos bonito, mas o enchia de uma dureza férrea que, Watson achava, o próprio Grimmes não sabia que tinha. Enquanto reparava nessas coisas, que não estavam em Grimmes cinco anos atrás, Watson fitou a si mesmo no retrovisor, perguntando-se o quanto ele havia mudado sem perceber. O quanto todos eles haviam.

- Sabe o que sempre me vem à mente quando penso nela? – disse Grimmes. – Os olhos. Aqueles olhos de gato que ela tinha.

Watson teve que rir ao pensar nas duas esferas verdes que pareciam ocupar todos os espaços vazios no rosto de Sophia. Deveria ser proibido sair por aí com um par de olhos como aquele. Eram olhos ladrões de corações. Ele sabia muito bem disso: roubaram o dele no momento em que ele os viu.

- Pergunto-me se vamos vê-la de novo – disse Watson.

- Quem sabe – Grimmes deu de ombros.

A viatura que os guiava pegou uma curva e virou à direita, com Watson em seu encalço, entrando em uma rua barulhenta e tão bem iluminada que transformava a noite em dia. Os finais de semana eram agitados em New Shore. A epidemia de drogas que tomou conta da cidade nos anos 80 e início dos 90 tinha ficado há muito para trás, dando lugar a bairros com bares estilosos, clubes noturnos e pubs que ecoavam rock'n'roll e jazz, a trilha sonora perfeita para os estudantes e universitários que andavam pelas calçadas. Jovens com os braços nas cinturas de suas namoradas, garotas que caminhavam como se desfilassem em uma passarela e sendo clicadas por flashes, rodas de amigos às gargalhadas. Grimmes encostou a cabeça no vidro e olhou a vida lá fora: a juventude pulsante e confusa que um dia herdaria o mundo.

A Voz da Escuridão.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora