Olá (Poema)

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Tantas palavras te quero dizer e não sei por onde começar.
Quero confortar-te no meio do caos, mas não encontro nada para te dizer nem para te dar. Digo-te o olá do costume, efémero e desajeitado.

Tu sorris e desapareces porque, em mim só vês mais um, que não te dá a tranquilidade que procuras.

Não te digo as palavras que mereces ouvir, não te canto as músicas que te fazem sorrir, não te dou os abraços que precisas de sentir. Tudo o que tenho é o «como estás?», seguido do mesmo olá de todos os dias.

Outra vez, dizes-me que está tudo bem e vais à tua vida. Fico, de longe, a observar e só te consigo ouvir a chorar. Tens a cara tapada com as mãos feridas, fragilizada da guerra, esmagada de culpas que não são tuas, de dores que nunca morreram, de arrependimentos que nunca te pertenceram.

Mas eu quero ser aquele que está aí, para contigo poder crescer, cair, reerguer. Para partilhar experiências, lágrimas e os momentos mais chatos contigo. Contigo quero ler o mundo, ler um livro. Contigo quero ver todas as luzes, ver um filme. Quero sentir contigo, e só contigo.

Quero lá saber se temos os pés atados, cortamos a corda e corremos para onde alguém nos verá jamais! Seremos só eu, tu, o som do vento e pouco mais. Livre dos muros que cada um de nós construiu, ausente de metafísica, de cálculo e de razão. Sorris-me delicada com a face, perante tal conto de fadas mas, por dentro, tentas falar-me com o coração.

Outra vez, dizes-me que está tudo bem e vais à tua vida. Fico, de ainda mais longe a observar-te pela noite fora, mas desta vez já não oiço lágrimas. Oiço o silêncio das feridas a pedirem para ser saradas. Já não tens a cara tapada como dantes, carregas agora nos olhos um orgulho acumulado que te dá inveja e raiva de pessoas amadas.

Olá -  sussurro-te com a última esperança de quebrar os glaciares que entre nós ocorreram. Retribuis-me com um outro olá. Por outras palavras, dizes-me concretamente, «chega-te para lá». Esticas um braço e atiras-me o teu gelo desfeito. Mas eu sonho contigo todas as noites, quatro paredes, crianças e eu deitado a teu peito.

«Como estás?», digo-te eu desgastado. Tu já não me falas, nem me sorris. Olhas para o chão e, com a palma da mão fazes um gesto a convidar-me para entrar. Oiço os teus passos assertivos, e à frente vão os meus, sempre a hesitar.

Falaste-me das tantas palavras que me querias dizer e afinal não sabias por onde começar.

Mistifórios do Hoje: Uma Sova de 2017Onde as histórias ganham vida. Descobre agora