Flauta do silêncio (poema)

47 9 1
                                    


Pelas esquinas vejo tantos Faunos quanto pessoas. Cada um toca uma flauta que me vai seduzindo com um cântico que pronuncia o cair e o erguer das coroas.

Vejo os maus e os bons, vejo os agudos e os graves, as pausas e os tempos. O mesmo tempo que se desenrola e ganha ritmo à medida que lêem as pautas rabiscadas com este hino. Chamo-lhe vida, eles chamam-lhe destino

Uns dançam ao som desta melodia, outros escutam e olham, nenhum a toca. Eu canto-a só para mim, baixinho e quase que adivinho sem ter de olhar para o papel, é a minha música favorita que estão a tocar. É esta a música que me faz curiosamente, todos os dias, acordar.

Durante a madrugada vêm-se os Faunos a correr lá fora. Parecem fazer crescer os animais e florescer as árvores e a flora.

Com as suas orelhas pontiagudas entendem-se uns aos outros, falam a mesma linguagem no meio daquela correria que se tornava uma confusão para quem assistia. Eu, ignorante julgo saber do que falam, o que cantam, ou porque se calam.

Pergunto-lhes o que estão a fazer e nenhum deles parece saber falar. O som mudo das suas flautas continua a tocar, vejo montes e montanhas colapsar. Faz casas ruir, vulcões ceder, céus desabar e ventos uivar.

Este caos invisível rege o mundo e as flautas dizem-nos que está tudo bem. Mas agora consigo ouvir os gritos das montanhas, das casas e das entranhas. O som da flauta cala-nos, um a um. Faz-nos sentir num paraíso que todos partilhamos, e não pertencemos a lado nenhum.

Mas os sons dos Faunos mentem-nos, iludem-nos. Escuta a sua melodia durante uma noite, uma madrugada. É diferente da música do dia, quando a toda a gente agrada.

De noite escutas um som mais baixo e mais recolhido. Todos adormecem porque ninguém quer ouvir o canto cruel e assustador, que ameaça envolver-nos consigo até à lua se pôr.

Mistifórios do Hoje: Uma Sova de 2017Where stories live. Discover now