- Ele escapou. Faz cerca de meia-hora, talvez um pouco menos.

Cohen pegou o rádio na cintura e pediu para os policiais na escuta começarem uma busca nas redondezas.

- Vocês não vão encontrá-lo – disse Sophia. Cohen soltou o botão de falar no rádio e encarou-a. – Ele já está bem longe daqui.

- E quem é você?

Sophia deitou a cabeça nos cabelos de Chapman e fechou os olhos. Estava exausta.

- Não importa – ela disse. – Não importa quem eu sou.

***

Usaram uma serrinha elétrica para abrir a algema. Desceram com uma maca e deitaram Sophia nela, apesar da garota ser perfeitamente capaz de andar. Um paramédico veio e examinou rapidamente seu ombro baleado e o toco vermelho onde antes ficava sua mão. As ataduras saíram com um barulho encharcado, revelando uma cratera negra e rosa de pele cauterizada.

- Ele arrancou – disse Sophia para o paramédico. – Com um facão.

Pálido, o paramédico terminou de desfazer o curativo feito pelo assassino e tirou bandagens novas da bolsa que trazia a tiracolo.

- Vamos cuidar de você. Prometo.

Sophia procurou o chefe Cohen. Encontrou-o parado em frente à mesa do porão, onde Pietra estava deitada antes que a levassem dali em outra maca. Ao lado dele, um sujeito da perícia usando um traje de borracha procurava por evidências.

- Policial Cohen? – chamou Sophia.

Cohen virou-se para ela. Pobre homem, havia tanta tristeza em seu rosto que Sophia sentiu um aperto no peito.

- Pietra está bem?

- Levaram-na para o hospital – disse Cohen, baixinho. Parecia com medo de acordar algo naquele porão. Algo que seria melhor deixar dormindo. – Assim como vão levar você.

- E Norman? O agente Grimmes? Ele é meu amigo.

As sobrancelhas de Cohen arquearam-se um pouquinho, e ele colocou as mãos na cintura.

- Eles também o levaram para o hospital – disse Cohen. – É um bom amigo esse o seu. Ele me ligou e explicou como chegar aqui. Disse-me para trazer uma equipe médica porque eu com certeza iria precisar de uma – observou o paramédico passar algo no ombro baleado de Sophia, uma pomada que fez a garota se encolher de dor. – Pelo visto ele tinha razão.

- Ele vai ficar bem? – perguntou Sophia.

- Grimmes? Talvez. Perdeu muito sangue. As coisas para ele não estão boas, como se diz, mas...

- Certo, chega de papo – disse o paramédico. Com a ajuda de um colega, eles levantaram do chão a maca em que Sophia estava deitada. – Temos que levá-la.

O chefe Cohen assentiu e deu um passo de lado para que os paramédicos pudessem passar com Sophia. Ela, no entanto, usou a mão que lhe restava para agarrar o braço de Cohen.

- E Chapman?

Cohen suspirou fundo e cobriu a mão dela com a dele.

- Deixe que a gente cuida do corpo do agente Chapman, filha – ele disse.

- Você não entende. Ele é importante pra mim. Já falaram com a Lívia?

- Quem?

Sophia fechou os olhos e inspirou fundo.

- A esposa dele. Já falaram com ela?

- Oh. Não, ainda não. Mas fique tranquila, a notícia será dada da melhor maneira possível.

Como se houvesse uma boa maneira de dar uma notícia daquelas.

Sophia soltou-o e deixou que os paramédicos a levassem para cima. Subiram com ela a escada, e a última coisa que a garota viu antes de sair do porão foi aquela luz vermelha desaparecendo. Poucas vezes na vida se sentiu tão aliviada quanto no momento em que deixou para trás aquele crepúsculo rubro e insano – era algo semelhante ao que experimentara ao acordar na casa dos Walker após se desintoxicar da heroína e descobrir que as vozes em sua cabeça tinham parado de falar. Começou a chorar, pensando consigo mesma que lágrimas de alívio brotam da mesma fonte que aquelas de felicidade.

Transferiram-na da maca para uma cama de ambulância. Antes que Sophia pudesse protestar, o paramédico enfiou uma agulha de soro em sua mão esquerda. Ela fez uma careta.

- Desculpe – ele disse, depois pegou em uma gaveta de alumínio uma seringa cheia de um líquido transparente.

- Não – Sophia afastou-se dele. – Não.

- É só algo para você dormir – ele disse. – Você está em choque, seu corpo tem que descansar.

- Não, não quero. Não me espete com essa coisa. Por favor.

O paramédico olhou-a, assentiu e enfiou a agulha em uma pequena rosquinha na bolsa de soro, apertando o pistão. O líquido transparente misturou-se com o soro.

- Pronto – ele disse.

- Obrigada.

Ela começou a se sentir sonolenta quase que imediatamente. Quando o paramédico guardou a seringa de volta na gaveta, as pálpebras de Sophia já pesavam como se fossem feitas de chumbo. Ela piscou, e foi necessário um grande esforço para abrir os olhos de novo.

- Durma.

Quem falou foi o paramédico, mas quem se debruçou sobre Sophia na cama de ambulância foi Chapman. Ele acariciou os cabelos negros dela e sorriu.

- Durma, garotinha. Não há do que ter medo. Pode dormir.

E, sem medo, Sophia dormiu.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now