Jimmy também era um cara legal, é claro, mas Pietra nunca poderia ter algo sério com ele. Eles transavam de vez em quando e eram amigos íntimos, mas isso era tudo. No começo, quando Joanna não passava de um bebezinho em seus braços, Pietra considerou namorar e casar com Jimmy. Mas não teria dado certo: ela ficaria com ele apenas por medo de falhar em seu dever de mãe e o usaria como uma muleta. E muletas são perigosas. Quando você se dá conta, esqueceu-se de como andar com as próprias pernas.

Joanna entrou correndo na cozinha, vestida com uma blusa azul, uma saía verde de bolinhas laranjas, meias rosa-choque e sapatilhas de bailaria tão grandes para ela que pareciam sapatos de palhaço em seus pés.

- Você vai sair de casa assim? – perguntou Pietra.

- Vou.

- Tudo bem. Já que você está vestida para o circo, posso largar você em um pelo caminho. Aposto que eles pagam bem por uma garotinha – sentada à mesa, Pietra puxou-a para seu colo. – Onde você arranjou essas sapatilhas?

- Estavam no seu armário – respondeu Joanna, enfiando um ovo inteiro na boca.

- Mastigue direito ou vai engasgar. No meu armário?

- Uhum.

Enquanto a criança comia, Pietra segurou um de seus pés e estudou a sapatilha velha e encardida. Meu Deus, há quanto tempo ela não via aquilo? Desde os quinze anos, provavelmente, quando Sophia e ela tinham enfiado na cabeça que seriam bailarinas profissionais. É claro que o sonho não durou: em parte porque nenhuma das duas levava jeito para a dança, e em grande parte porque Sophia foi embora três meses depois, destruindo qualquer chance de um futuro compartilhado que elas poderiam ter.

Como sempre acontecia quando pensava em Sophia, a boca de Pietra ficou cheia de um gosto amargo.

- Tire isso, Joanna – disse Pietra. – Coloque seus tênis da Barbie. Ou aqueles do Hot Wheels.

Joanna deu de ombros e disse "tudo bem".

- E não fale de boca cheia – deu um beijo na bochecha da criança sentada em seu colo. – Porquinha.

***

Por volta das oito da manhã, Pietra parou sua Toyota Corolla no estacionamento do convento de Nossa Senhora do Sagrado Coração. Desligou o motor e olhou em volta, assim como Joanna, que trazia nas costas uma mochila roxa da Dora Aventureira com algumas peças de roupa e, nos braços, uma tartaruga verde de pelúcia.

- Por que tá tão vazio? – perguntou a criança.

Estava mesmo vazio. Em qualquer outro dia da semana, o estacionamento transbordaria de carros àquela hora, lotado de famílias que vinham pontualmente para assistir à missa das oito. Hoje, no entanto, o lugar parecia abandonado, e Pietra sentiu uma pontada de dor no coração ao ver o convento entregue à solidão daquela forma. Sem o som das conversas, dos risos e dos gritos alegres vindos do lago que ficava nos fundos, o convento de Nossa Senhora do Sagrado Coração era como um parque de diversões apagado e entregue à escuridão. Uma roda-gigante sem luz, pensou Pietra, não faz ninguém feliz. O pior de tudo era a igreja: erguia-se resoluta e carente de vida, apenas uma construção do século XIX assombrada por fantasmas e preces não atendidas.

Um arrepio varou o corpo de Pietra quando ela olhou para a igreja, e a sensação de desconforto e medo só aumentou depois que ela notou as faixas amarelas da polícia cruzadas em X em frente às portas fechadas: CENA DE CRIME, NÃO ATRAVESSE.

- Por que a gente não pode atravessar a igreja? – perguntou Joanna, olhando para as faixas. Aos 4 anos, ela lia desde livros com ilustrações até coisas como Harry Potter e a Pedra Filosofal. Às vezes, a inteligência da menina deixava Pietra embasbacada e orgulhosa. Outras vezes – como aquela – fazia Pietra desejar que Joanna fosse como as outras crianças de sua idade.

A Voz da Escuridão.Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz