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Sophia abriu os olhos e percebeu que estava mesmo se afogando. Alguém enfiara um tubo em sua garganta que a impedia de respirar direito, seus pulmões produzindo um barulho sofrível de engrenagens enferrujadas rangendo. Seu primeiro impulso foi pegar aquela coisa em sua boca e arrancá-la, mas seus pulsos subiram apenas meio centímetro. Estavam amarrados à cama. Máquinas apitavam em algum canto à esquerda dela. Ou à direita, não sabia dizer, não desorientada como se sentia. O pânico começou a se instalar, os olhos de Sophia correndo nas órbitas, sem enxergar nada porque uma luz branca havia sido pendurada acima dela, cegando-a quase que completamente. Pensou incoerente: eu ainda estou atravessando o túnel de luz, ainda estou morrendo e preciso chegar ao outro lado. Então a silhueta de um rosto se debruçou sobre Sophia, dizendo que tudo bem, que ela tinha acabado de acordar e precisava se acalmar. E o que Sophia fez foi fechar as pálpebras, duas lágrimas incrivelmente quentes escorrendo até suas orelhas, e se entregar outra vez à escuridão completa.

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Foi melhor da segunda vez que acordou. Agora, pelo menos, não havia um tubo invadindo sua traqueia nem amarras em seus pulsos. A luz branca também se apagara, embora Sophia ainda conseguisse ouvir máquinas apitando ali perto. Deitada de costas em um colchão macio, ela encarou o teto pálido e piscou, confusa. Tentou engolir, mas foi como empurrar um monte de areia garganta abaixo, tão seca estava sua boca. Sentindo-se insubstancial, estranhamente sem sustentação como uma marionete sem cordas, Sophia içou-se um pouco para cima, apoiando as costas e a nuca em um travesseiro e sentando-se na cama da melhor maneira que conseguiu. Seu abdômen estava envolvido por bandagens e sua perna direita, esticada à frente, não passava de um bloco de gesso.

Bastou uma olhada em volta para perceber que estava em um quarto de hospital. Cortinas brancas fechadas deixavam entrar apenas alguns raios pálidos de sol. Chapman dormia em uma poltrona ao lado da cama de Sophia, queixo no peito e um livro aberto no colo. Roncava um pouco. Ela abriu a boca deserta para chamá-lo, tossiu, então tentou de novo, bem baixinho. Foi o suficiente para que ele abrisse os olhos e a encarasse.

- Ei – sussurrou Sophia.

- Ei – ele disse. Parecia não dormir bem há dias, o rosto com rugas que não estavam ali antes, alguns fios brancos que Sophia nunca vira e bolsões debaixo dos olhos. Mas o sorriso ainda era o mesmo, grande e genuíno. Sorrisos não envelhecem.

- Tô com sede.

Chapman fechou o livro no colo e deixou-o em cima do criado-mudo, de onde pegou um copinho branco com um canudo. Levou-o até a boca de Sophia e a garota se inclinou um pouco para beber.

- Cuidado, vá devagar – disse Chapman enquanto Sophia solvia a água, sentindo o líquido abençoado encher-lhe a boca seca.

- 'Brigada – disse Sophia quando terminou, repousando outra vez a cabeça no travesseiro.

Chapman devolveu o copinho de água ao criado-mudo e puxou a poltrona para mais perto de Sophia, repousando as mãos no colchão. A garota caçou os dedos dele e segurou-os.

- Você me deu um baita susto, garota – disse Chapman.

- Desculpe – respondeu Sophia. E depois que disse isso, começou a chorar. Era um choro que vinha de dentro, tão doloroso que parecia a ponto de cortá-la ao meio. Em algum momento, Chapman a pegou e puxou-a para um abraço. Que bom que eu tenho alguém com quem eu posso apenas chorar, ela conseguiu pensar. Poucas pessoas têm essa sorte. Ela continuou a soluçar com o rosto no peito dele. Chorou por motivos que sabia. Chorou por motivos que não sabia. Chorou porque estava tão cansada, tão vazia e sozinha, com tanta vontade de sair de si mesma, de abrir um zíper em suas costas, deixar para trás sua pele e apenas voar para longe, para algum lugar onde não precisasse mais viver o dia inteiro com toda aquela dor e tristeza e solidão. Quando conseguiu se controlar um pouco, ela se afastou de Chapman, deixando uma mancha molhada de lágrimas secando na camisa dele.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now