Aos poucos, a lucidez voltou aos olhos de Sophia. Ela parou de tremer e tirou as mãos dos ouvidos, bem devagar, como se esperasse escutar uma bomba explodindo a qualquer momento.

- O que você fez? – ela perguntou.

- Ordenei que eles deixassem você em paz, criança – respondeu a velha. Para alguém que parecia carregar todos os anos do mundo nas costas, a anciã tinha a voz incrivelmente firme.

Sophia deixou as mãos caírem ao longo do corpo. Ainda tinha os olhos assustados, mas, pelo menos, aquela expressão de terror absoluto não estava mais neles.

- O que eles eram?

- Coisas – suspirou a velha. – Coisas da floresta. Eles não são maus. São apenas curiosos que gostam de Luz. E você, minha criança, é como o sol.

Sophia pegou a mão da velha e levou-a aos lábios, beijando a pele enrugada.

- Obrigada.

Talvez tivesse sido só sua imaginação, mas Chapman podia jurar que viu um sorriso doce dançar nos lábios da velha, abrindo caminho pelas rugas de seu rosto acidentado. No instante seguinte, a anciã deu as costas para Sophia, arrastando os pés de volta à tribo. Os habitantes continuavam a observar, sussurrando entre si em uma língua nativa.

- Ei – Chapman chamou quando a velha passou por ele, ignorando-o por completo pela segunda vez. – Senhora, desculpe incomodar, mas viemos de longe para...

A velha parou e ergueu para Chapman a palma de uma mão tão castigada pela artrite que se assemelhava a uma garra.

- Eu sei por que vocês estão aqui – ela falou. – Terão suas respostas lá dentro. Aqui não. As árvores escutam, a sombras sussurram. O Olho na escuridão tudo vê. Lá dentro, estaremos protegidos.

E voltou a se arrastar num ritmo lento e hipnotizante: pé esquerdo, cajado, pé direito. Chapman fez um sinal com a cabeça para Grimmes ir atrás da velha.

- Sophia? – chamou.

- Senhor? – ela ainda estava branca, mas era uma palidez humana, em nada parecida com a brancura assustadora que tomara conta da garota alguns segundos atrás.

- Você está bem?

- Agora estou – Sophia tentou um sorriso que se desfez como névoa. – Desculpe por perder o controle daquele jeito. É só que eu fiquei tão... assustada. Pensei que fosse ficar maluca.

Eu também achei que você enlouqueceria, Chapman pensou, torcendo para Sophia não ter captado aquelas palavras.

- Quer voltar?

Sophia balançou a cabeça.

- Não – ela respondeu. – E, por favor, não me trate como criança.

- Eu jamais faria isso – Chapman bagunçou os cabelos curtos dela. – Ande, agente. Quero sair deste lugar antes do sol se pôr.

A velha esperava por eles no portão, com Grimmes ao seu lado. Assim que Chapman e Sophia entraram na tribo, o portão começou a fechar, aparentemente sozinho, sem ninguém para puxá-lo ou mecanismo para movê-lo. O crânio antigo e amarelado de touro balançava, com seu eterno sorriso medonho.

- É para proteção? – Sophia apontou o crânio.

- É – respondeu a velha. Ela passou o cajado de uma mão para a outra. – Ele espanta os espíritos, porque lembra a eles que estão mortos.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now