- Há algo morto – explicou. – Morto na água.

Quase como se tivessem ensaiado, todos olharam para o lago formado pela queda forte e espumante da cachoeira. Tudo aparentava estar na mais perfeita ordem: a água era escura, mas limpa, e, com certeza, não parecia esconder um morto. Yuri franziu a testa.

- Como você sabe? – perguntou.

- Eu só sei – respondeu Sophia, ao mesmo tempo em que Chapman dizia "ela só sabe".

Watson olhou de Sophia para Chapman, e depois de volta para a garota.

- É uma daquelas... coisas que você consegue fazer?

- Sim, senhor. Uma daquelas coisas que eu faço – ela deu dois passos à frente e parou, inclinando-se na direção da cachoeira como alguém faria para cheirar uma rosa. Estreitou os olhos. – Acho que é outra vítima dos assassinatos. Mas não tenho certeza.

- Vou chamar a polícia de Fallpound – disse Chapman. – Dizer onde estamos. Eles podem...

- Mas eu ainda não tenho certeza – disse Sophia.

- Bom, o xerife pode destacar uma equipe para realizar uma busca.

- Não – Sophia balançou a cabeça, arrancando uma das botas. – Deixa que eu faço.

Antes que alguém pudesse dizer algo, Sophia já tinha tirado as duas botas, as meias e a calça do terno, jogando tudo nos braços de Chapman.

- Gostei das tatuagens, agente Manning – disse Watson.

- Obrigada, senhor – disse Sophia, sem jeito.

- Tem certeza de que vai fazer isso? – perguntou Chapman. – Se houver mesmo um cadáver, a água pode estar envenenada.

- Eu sei – disse Sophia. – Vou ficar bem. Me dê cinco minutos.

Os quatro homens observaram enquanto Sophia corria até o lago e mergulhava com a habilidade de uma nadadora profissional. Em seguida, sua cabeça de cabelos curtos e negros emergiu da água: ela deu quatro braçadas e afundou novamente.

- Ela vai ficar mesmo bem? – disse Daniel.

Ninguém respondeu.

Segundo o relógio de Chapman, Sophia passou pouco mais de três minutos totalmente submersa. Nenhum deles nunca soube como ela conseguiu ficar tanto tempo sem voltar à superfície, mas nada era realmente normal quando se tratava de Sophia. Quando ela finalmente submergiu, trazia nos braços algo pesado, repleto de folhas e galhos.

- Meu Deus – fez Norman Grimmes.

Eles correram até as margens para ajudá-la. Chapman entregou as roupas de Sophia para Daniel e estendeu as duas mãos na direção dela. A garota aproximou-se deles dando braçadas lentas com um braço só, segurando com o outro a carga horrenda que havia encontrado no fundo do lago. Ela tossia e arfava em busca de ar.

- O nome dela é Cassandra – ela disse, passando o cadáver para Chapman, que o colocou à margem do lago e ajudou Sophia a sair da água. – Cassandra Lauder. Ela morreu há dois dias.

O corpo magro de Sophia tremia com pequenas convulsões de frio, e Chapman passou-lhe o paletó dele para ela se enxugar. A garota agradeceu e fitou o cadáver da mulher. Os outros formaram um círculo em torno do corpo.

- Ela tem dois filhos – disse Sophia, os dentes batendo uns nos outros. – Um menino chamado John e uma menina chamada Marielen. Ou Mariana.

Yuri Watson, que já vestira as luvas de plástico usadas para não contaminar as provas, ajoelhou-se ao lado do corpo e tirou dele as folhas, galhos e outros detritos que o cobriam. Quando viu o que tinha acontecido, soltou um palavrão.

Cassandra Lauder estava acorrentada dos tornozelos aos ombros. Parecia uma versão de pesadelo do truque do tanque d'água de Harry Houdini. Watson perguntou-se como Sophia, magra como era, conseguira carregar algo tão pesado como aquelas correntes. Embora, segundo Sophia, Cassandra tivesse sido assassinada há apenas dois dias, o cadáver já apresentava vários sinais de decomposição: o rosto estava inchado e branco, com a garganta inflada e um líquido meio verde, meio amarelo, escorrendo das narinas e das orelhas. Um olho faltava, revelando uma órbita vazia e escura, onde alguns vermes marinhos se contorciam. O nariz, assim como os lábios sem cor, estava carcomido. Símbolos bizarros entalhados com faca cobriam as bochechas e a testa da pobre mulher. Yuri Watson reconheceu aqueles desenhos de fotos de outras vítimas.

- Foram eles – suspirou Watson, tapando a boca e o nariz com o antebraço. O cheiro que se desprendia do corpo era horrível. – Foram os Monstros da Floresta.

- É claro que foram – disse Chapman entre os dentes. – Psicopatas de merda.

- Primeiro, eles fizeram nela esses símbolos – disse Sophia, apontando os desenhos. – Ela ainda estava viva e gritando pelos filhos – ela engoliu em seco. E continuou: – Depois, acorrentaram-na e jogaram-na no lago. Ela tentou lutar, entende? Para voltar à superfície. Mas as correntes a puxaram para baixo. Foi quando ela soube que ia morrer. Ela soube que ia morrer, e que nunca mais veria as crianças de novo.

Por um tempo, os únicos sons foram o da queda da cachoeira e as fungadas de Sophia. Até que Chapman soltou um longo suspiro.

- Bom trabalho, Sophia – ele disse. – Agora se vista. Precisamos ir àquela tribo.

- E o corpo? – perguntou Grimmes.

- Eu fico aqui – Watson levantou-se e retirou as luvas de plástico. – Vou ligar para o xerife e dizer que encontramos o corpo. Daniel pode ficar comigo. A não ser que você queira ficar e recuperar as forças, Manning.

- Não, senhor – disse Sophia. – Obrigada, mas estou bem.

- Certo.

- O que o senhor vai dizer para o xerife? – perguntou Sophia, enquanto se vestia.

Watson ergueu as sobrancelhas para ela, confuso.

- Como assim?

- O senhor não pode... – ela hesitou e franziu a testa, procurando as palavras certas. – Por favor, não diga para ele como encontramos o corpo. Não conte sobre... Sobre as coisas que eu faço.

Yuri Watson colocou as mãos na cintura e deu à garota um sorriso tranquilizador.

- Não se preocupe, agente Manning – ele disse. – Tenho certeza de que pensarei em alguma história.


A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now