- Que foi? – ela perguntou.

- Nada – Chapman tornou a fitar a estrada no instante em que passavam pela placa de "Bem-vindos a Fallpound". À frente deles havia um Chevrolet Suburban negro, igual ao que ele dirigia. Yuri Watson e Norman Grimmes, que tinham vindo em um veículo separado. – Esqueci o endereço do garoto. Pode dar uma olhada para mim?

Sophia o fitara por mais um tempinho, e Chapman perguntou-se se a garota lia sua mente como ela às vezes fazia. Então ela assentiu e virou-se para o banco traseiro, onde Daniel cochilava com a testa grudada no vidro da janela e uma pasta parda no colo.

- Dani? – Sophia chacoalhou o joelho dele. – Ei, Dani?

Os olhos do garoto abriram-se, assustados por trás das lentes arranhadas de seus óculos, e Sophia sorriu.

- Me passa a pasta?

- Ah – Daniel estendeu a pasta para ela. – Aqui.

- Valeu.

Ela enfiou o cigarro entre os dentes e arregaçou as mangas da camisa branca até os cotovelos para exibir as tatuagens que cobriam seus braços: uma pirâmide aqui, uma carta de baralho ali, um cartucho de bala de Glock perto da curva da mão esquerda, uma cartola do Chapeleiro Maluco de Alice no País das Maravilhas no antebraço direito, e mais uma infinidade de desenhos um tanto psicodélicos dos quais Chapman não conseguia extrair muito sentido.

- Certo – Sophia abriu a pasta. – Hum... Aqui. Rua Pidge, número 84. É o endereço de George Cornwell.

Havia uma foto dentro da pasta: fora tirada à noite e mostrava um menino de cabelos escuros vestido de astronauta e de pé no alto de um escorregador. Ele dava um sorriso de dentes pequenos e estendia as mãos para céu noturno. Seus pés podiam estar presos à terra, mas as pontas de seus dedos tocavam as estrelas.

- Acha que consegue captar alguma coisa da foto? – perguntou Daniel, e Chapman observou pelo retrovisor Sophia fazer que não.

- Não dá – ela disse. – Já tentei. A única coisa que consigo é um som alto de turbinas.

- Turbinas? – Chapman franziu a testa.

- É. Turbinas de foguete.

Ela olha a foto por mais um instante, depois balança a cabeça e devolve a pasta para Daniel. Ajeita-se outra vez no banco de passageiro e joga o cigarro pela janela. Lá fora, árvores se debruçam na direção deles de ambos os lados da estrada, balançando os galhos como se fossem passageiros acenando e pedindo carona.

- Não gosto daqui, Benny – disse Sophia de repente.

- Acho que ninguém gosta de um lugar onde crianças morreram.

- Não é isso – Sophia crispou a boca em uma linha tensa e mordeu o lábio inferior. Ela fizera isso tantas vezes durante a viagem que machucara a mucosa rosada e sensível ali. – É que... Não sei. Mas não gosto daqui.

Chapman não respondeu. Sophia respirou fundo, repousou no encosto do banco a cabeça coberta por um cabelo cortado tão rente que não passava de uma penugem escura sobre o contorno do seu crânio, e fechou os olhos.

- Não gosto daqui – repetiu uma terceira vez e ficou em silêncio.

***

O combinado era o seguinte: quando chegassem a Fallpound, Watson e Grimmes deveriam seguir para a delegacia, onde conversariam com o chefe de polícia local. Chapman, Daniel e Sophia ficaram encarregados de uma tarefa muito mais ingrata: bater à porta dos Cornwell e tirar o máximo de informação possível de um pai e uma mãe em luto pelo filho. Fallpound era uma cidade pequena, então não seria difícil encontrar o endereço dos Cornwell, embora Chapman quisesse evitar ao máximo o momento. Já lidara com pais enlutados antes e, geralmente, o resultado não era nada bonito. Ele sempre largava um pedaço do coração caído na sala daquelas casas silenciosas, aos pés de uma poltrona onde uma mãe com lágrimas no rosto se sentava para falar sobre seu menininho ou menininha morta.

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