Capítulo 23

258 31 6
                                    

Algo no meu interior se remexia... Mas o que exatamente, eu não fazia ideia, minha nuca coçava como centenas de malditas micro agulhas me espetando e me fazendo consciente de que alguma coisa estava ali, mas eu não conseguia ver. Uma sensação ruim, mas nada parecia realmente errado. De alguma forma o mundo se bagunçava de novo logo que eu deixei o cemitério e encarei aquele fantasma do passado. Eu não esperava me sentir tão culpado de repente, quando eu era perfeitamente consciente de que não tinha uma parcela de culpa sobre tudo o que aconteceu, mas esteva ali de qualquer jeito, fez minha garganta se apertar e coçar e as palavras saíram presas, num esforço além da minha capacidade, embora eu também senti alívio quando elas finalmente saíram. Me senti livre.

A culpa nunca me abandonaria definitivamente. Passei muitos anos a escondendo e acalentando na parte mais profunda do meu âmago para que ela fosse embora de repente. Mas talvez eu estava  aprendendo a conviver com ela, sabendo que era infundada, tratando-a com o devido respeito.

Sentir culpa e saber que não era culpado era uma maldita coisa maluca no fim das contas, mas as emoções nunca fizeram sentido para mim e eu nunca pude colocá-las em palavras de qualquer jeito. Sempre tive pensamentos simples e diretos, pouco complexos no âmbito do coração, talvez seja por isso que essa parte me apavorava tanto. Eu odiava ter que me aventurar pelas emoções e todas as vezes que me deixei levar por uma delas, alguém acabava com o nariz quebrado porque eu perdia o controle.

Não que tenha ficado insensível, muitas coisas conseguiam me tocar, mas eu preferia a simplicidade das sensações físicas e das coisas fáceis de entender. Comer, dormir, transar. Isso foi o bastante por um bom tempo.

Até Alison aparecer e eu ter me envolvido com ela, desde então eu sentia coisas novas e encarava facetas diferentes a respeito de tudo. Ou talvez eu estava realmente só amadurecendo, deixando a babaquice adolescente para trás e me tornando um homem sem que eu pudesse ter notado. De repente Josh Rayder era um adulto.

Mas crescer não é fácil, sabe? Abandonar os velhos hábitos que antes eram adorados vendo que eles perderam o seu valor e logo dando crédito a coisas que pareciam não ter a menor graça, uma coisa dando lugar a outra continuamente e nos fazendo aprender mais e mais sobre quem somos, mesmo que nem se imagine o que pode ser parte de nós mesmos e que comecemos a nos preocupar com coisas que nunca importaram antes. O passado nunca desaparecia, é claro, ele fica na memória. Nos faz lembrar de todas as coisas idiotas que você já fez ou disse na vida, nos fazendo perguntar se poderia ser feito de um jeito diferente, "e se eu não tivesse quebrado o nariz dele? Ela ainda assim teria morrido?". Isso cria uma barreira sobre as idiotices futuras.

Perdoe minhas palavras deprimentes, minha nuca ainda pinicava e eu estava pensativo demais nas últimas semanas e tudo o que acontecia permanecia indo e voltando na minha mente. Girando na minha cabeça. Madelyn, meu pai, minha mãe, Alison, minha iminente ida à faculdade, o colégio, minhas emoções novas e aterradoras, Devon e Eric (que faziam parte da minha vida), o que eu devia fazer com tudo isso a partir dali... Tudo girava, ia e voltava dentro de um vórtice e me deixava tonto.

Eu não poderia ligar para o Devon em busca de um ouvido para chorar (e quem sabe um conselho), ele me daria o chute no rabo que havia me prometido se eu ligasse cedo demais outra vez, era domingo e ele sempre dormia até mais tarde nos finais de semana. Tampouco queria chamar minha namorada e contar sobre tudo isso... Alison tinha suas próprias coisas na cabeça e de qualquer forma, era uma coisa minha, eu precisava resolver meus problemas sozinho.

Ali no meio da minha viagem, estiquei minha mão distraidamente para um lado e acabei derrubando uma das peças de enfeite que eu havia construído um ano atras. Eu havia parado de montar coisas, era uma mania que havia adquirido quando era pequeno, desmontava qualquer coisa que fazia barulho, piscava, sacudia ou andava sozinho, também pequenos aparelhos como radiosinhos ou relógios digitais. Ficava curioso para saber como funcionavam por dentro e não hesitava em desmontar peça por peça e montar de novo, ou quebrar toda a parte externa para pegar as peças de dentro para colocá-las em outras coisas. Principalmente meus carrinhos de pulsão, adorava retirar seus "motores" e guardá-los para a posteridade... Nunca criei nada que realmente funcionou, mas isso não deixava de ser divertido na época. Com o tempo as pseudo-criações ficavam espalhadas pelo meu quarto como artigos de decoração, mas nenhum funcionava.

Juventude à flor da peleOnde as histórias ganham vida. Descobre agora