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Capítulo vinte e seis

–Omundo abaixo está em polvorosa, meu pai – Atena disse.

Zeus se acomodou em seu trono, aparentemente despreocupado. Ele fez movimentos vagos com a mão, pincelando o vento, como se ela não passasse de um inseto a ser enxotado.

– É reflexo da agitação no Olimpo – ela prosseguiu. – Não tem como haver tamanha convulsão social entre os deuses sem maiores repercussões.

– Você teme por meu trono, filha? – Zeus gargalhou asperamente. Atena não achou graça alguma em seu tom. Ele sempre a tratara bem antes, a ponto de os outros deuses afirmarem que ele a favorecia em demérito deles. Lembrou-se de como Ares havia tentado usar isso como um trunfo para ganhar mais influência junto a Zeus. Não havia funcionado com o primeiro Deus da Guerra e, pelo que ela podia ver, nada que pudesse dizer então teria impacto algum sobre Zeus.

– Eu temo, Pai dos Céus – ela disse. Atena viu Íris espreitando por trás de um grande pilar, ao lado da câmara de audiência. No instante em que a nova Mensageira dos Deuses se deu conta de que Atena havia percebido sua presença, ela se abaixou depressa, como se aquilo pudesse apagar toda e qualquer memória de sua espionagem. – Há aqueles sobre o Monte Olimpo que roubariam seu poder, se não seu trono.

– Você não é a primeira a me falar isso, filha. Eu sou o Rei dos Deuses. Ninguém se atreve a me enfrentar!

Atena se inclinou ligeiramente para esconder o olhar azedo em seu rosto.

– Pois todos estão se atrevendo. O senhor deve encontrar um meio-termo se quiser restaurar a ordem.

– Todos, filha? Você diz que todos estão conspirando para usurpar-me? Qual é seu plano para roubar meu poder? – começaram a se formar nuvens no teto abobadado; raios crepitavam sem, no entanto, relampejar. Zeus estendeu a mão, onde um raio se formou.

– O senhor seria capaz de me abater, Pai?

– Você se opõe a mim, Atena? Você tenta roubar meu poder?

– Eu procuro relações amistosas entre os deuses, Pai. Nada mais.

– Kratos é a origem desse câncer que vem crescendo nas entranhas do Olimpo – Zeus exclamou. – Eu cuidarei para que ele seja enviado ao Submundo!

– As Irmãs do Destino protegem o reino delas com bastante zelo, Pai – ela disse, apreensiva. Por mais que tivesse tentado, fora impossível enviar uma mensagem a Kratos. – Se ele permanecer na Ilha da Criação, não há nada que possa ser feito.

– Eu sou um deus. Eu sou o Rei dos Deuses! – Zeus se levantou e brandiu o punho aos céus. Através da abertura no teto de sua sala do trono, surgiram pequenas nuvens carregadas. – Envie uma petição às Moiras. Ou será que elas procuram um novo campeão que me derrote? – Zeus se sentou e olhou em volta, como se Kratos o estivesse espionando.

Aquilo incomodou bastante Atena. Seu pai parecia hesitante, hesitante e melindroso, não demoraria para agir precipitadamente. Suas oscilações de humor aumentavam a cada dia.

Atena deu um pulo quando ele enterrou seus punhos nos braços do trono com tanta força que duas fissuras paralelas se abriram do trono até o outro extremo do piso da câmara de audiência, isolando Atena em uma pequena ilha no meio.

Ela ficou estatelada ao ver que a destruição havia jogado não apenas Íris, mas também Poseidon, de seus esconderijos pela câmara. A Mensageira dos Deuses não era a única a espionar as audiências de Zeus.

– O que você quer, irmão? – Zeus ergueu a mão e, então, cerrou o punho, de onde escorreram nebulosas nuvens negras por entre seus dedos. Ele aumentou de tamanho até que sua cabeça roçasse a cúpula ao alto. Nada contente com a situação, Zeus esmigalhou a cúpula com um murro, cascateando uma chuva de pedras e estilhaços de vidro. Ele foi se inflando cada vez mais até que sua cintura ficasse na altura da cúpula ora destruída.

– Venho protestar contra uma invasão em meu reino, irmão – Poseidon disse. Ele começou a também aumentar de tamanho, mas logo percebeu não haver espaço suficiente no cômodo, mesmo que estourasse outro buraco no teto. – Retorne a uma estatura mais civilizada.

Zeus encolheu-se a um tamanho mais apropriado às proporções de sua câmara de audiência. Ele rangeu os dentes ao cair pesado de volta a seu trono.

– Tenho sua permissão para sentar-me em meu próprio trono, irmão? Ou você veio me depor?

– Tenho meu próprio reino nas profundezas do mar, Zeus – Poseidon avançou a passos largos, empurrando rudemente Atena de lado. Ela saiu do caminho. Íris se aproximou de modo a não perder uma única palavra da conversa. Atena receou que Íris pudesse tirar ainda mais proveito das informações trocadas naquela conversa. Era um exagero apontar Íris como a única responsável pela inquietação entre os deuses, mas ela havia contribuído, com seu leva e traz, suas meias-verdades e as alianças formadas constantemente, as quais ela apenas respeitava até que já não mais lhe conferissem poder. Íris era uma das causas da desconfiança que se espalhava entre os Olimpianos como uma praga sem controle, mas não a única.

– Que tal retornar para lá? Zeus disse. – Preciso de um pouco de paz para governar de modo adequado.

– Paz – Poseidon disse, bufando. Ele cuspiu algas marinhas no chão e torceu a barba que ainda pingava antes de prosseguir. – O filósofo mortal, Platão, bem o disse: "Só os mortos viram o fim da guerra". Detectei um invasor desafiando minha autoridade sobre os mares.

– Kratos? – Zeus riu asperamente. – Ele se tornou um fogo-fátuo que todos ainda veem pelo Olimpo.

– Não se trata de Kratos – disse Poseidon. – Oceano. Os Titãs estão cada vez mais ousados. Ele pensa em recuperar a transcendência sobre meu reino.

– Você é incapaz de lutar contra ele? Um Titã que foi despojado de seus poderes e está desacreditado há tanto tempo? Você não é meu irmão, se não for capaz de afugentá-lo de volta aos domínios tenebrosos do Tártaro. Oceano – Zeus disse, bufando com desprezo. – Ele era o menor dos Titãs – e acrescentou, sombrio: – Ao contrário de Cronos.

– Tenho sua permissão para fazer o que achar necessário?

Atena tentou advertir seu pai, aconselhando-o a não conferir poderes ilimitados a Poseidon. Seu tio era rabugento e brigão, mas também ambicioso. Uma vez no trono dos deuses e Poseidon criaria uma guerra entre eles que nunca teria fim. Poseidon carecia de qualquer indício de diplomacia em sua alma. Zeus podia se inflamar de raiva com facilidade, mas sabia ser sutil e inteligente quando era necessário. Seu socorro a Kratos à guisa de coveiro antes da batalha com Ares havia provado isso.

Ela só não havia visto essa faceta do caráter de seu pai recentemente. Não mais; desde que Kratos ascendera ao trono do Deus da Guerra.

– Defenda-se como achar melhor. Você não precisa de meus bons votos para tanto, irmão.

Poseidon retorceu a barba novamente para esconder o sorriso largo. Zeus não foi capaz de notar, mas, de onde estava, Atena percebeu com muita clareza o que se passava. Tanto quanto Íris. A Mensageira dos Deuses saiu correndo.

Era como se a morte de Ares tivesse desencadeado uma ambição jamais vista entre os Olimpianos antes. Ao tempo em que muitos reclamavam da autoridade de Zeus, os mesmos se submetiam a ela para que pudessem correr atrás de seus próprios prazeres, tanto no Monte Olimpo quanto entre os mortais. Mas e agora? Poseidon e Íris não eram os únicos a aspirar ao trono, enquanto Zeus continuava a direcionar sua ira contra um mero mortal.

Kratos podia até ter sido um deus, mas apresentava menos perigo a Zeus do que muitos dos que permaneceram deuses.

Poseidon e Zeus continuaram trocando farpas depois que Atena os deixou, perguntando-se o que deveria fazer para restaurar a ordem entre os deuses. Depor seu próprio pai? Ou ajudar Kratos na busca por vingança? Ela prendeu o fôlego quando percebeu o rumo que seus pensamentos haviam tomado. Haveria de ter outro caminho que não a obrigasse a se opor a seu pai – ou ajudar aqueles que se opunham.

Haveria de ter.

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