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Capítulo vinte e dois

–Aquela mentirosa! – Hermes bateu o pé e cruzou os braços sobre o peito. Seu rosto quase belo carregava marcas de preocupação e nuvens de um ódio eterno. – Eu quero que ela morra!

– Zeus ainda segue à risca seu decreto. Nenhum deus pode matar outro deus – Atena disse ao Mensageiro dos Deuses recém-deposto do cargo. A clareira no meio de uma floresta em nada condizia com a figura de Hermes soltando fogo pelas ventas, e ela foi obrigada a admitir que também compartilhava do sentimento. Assistir calada que Íris se insinuasse a cada resolução de Zeus havia sido bem doloroso, mas agora a Deusa do Arco-Íris já havia conquistado poder demais. Zeus não tomou uma só decisão sem consultá-la primeiro.

– O Olimpo todo está em alvoroço com a notícia – Hermes disse. – Eles me querem de volta, mas não têm coragem de rogar a Zeus.

– Com Íris assentada a sua mão direita, Zeus taparia os ouvidos a uma súplica tal, mesmo se feita por todos os deuses – Atena disse. – Ela alega que as mensagens dela são entregues com mais rapidez e precisão do que as suas, e sem serem violadas.

– Sem serem violadas? Ela viola todas as mensagens. Fiquei sabendo de uma enviada por Hades. Ela deturpou tudo, o que fez Hades considerar declarar guerra contra Hélios. Ela semeia discórdia como os dentes de um dragão!

Atena não tinha como contra-argumentar, tampouco vislumbrou maneira alguma de depor contra Íris ou curar o mal que afligia os deuses do Olimpo. Brigas eram comuns. Os deuses estavam cada vez mais temerosos, especialmente de serem espionados e traídos por informações adquiridas de forma tão doentia. Mesmo Afrodite havia feito um voto de castidade, embora Atena duvidasse que seria mantido por muito tempo.

Desde que Kratos fora transformado novamente em um mortal, a situação entre os deuses só havia piorado. Ou o câncer já vinha crescendo desde que ele matara Ares? Ou mesmo antes? Atena fora usada por Zeus para eliminar Ares. Ela então via isso claramente e lhe preocupava o fato de que seu pai estivesse tentando usá-la outra vez, mas para qual finalidade? O dano já havia sido causado, os deuses estavam suspeitando abertamente uns dos outros.

Atena deu um sorriso áspero. Eles nunca haviam sido amigáveis, apesar de todas as relações familiares, mas a hostilidade cada vez maior era novidade e crescia como uma erva daninha.

– Ajude-me, Atena. Você sempre gostou de mim, eu sei – Hermes tentou dar uma piscadela lasciva, mas não foi capaz de tanto. – Ajude-me, e eu, enfim, deixarei o caminho livre para que você tente algo comigo, como sempre desejou.

– Se eu desejasse dar um fim a minha castidade, Hermes, certamente não seria com você – sua ira aumentou diante de uma mentira tão descarada contada por um deus que lida com mensagens que deveriam conter somente a verdade. Ela se pegou pensando sobre a fonte daquela raiva crescente. Longe de serem os insultos de Hermes. Ele apenas abriu sua boca sem pensar, como sempre fazia, e, em uma situação tão desesperadora quanto a dele, ela esperava até mais. Havia algo mais importante com que se preocupar.

Ele estendeu a mão e tomou-lhe o braço, sacudindo-a com gentileza.

– Você tem que me ajudar a voltar às boas graças de Zeus.

O toque dele interrompeu sua linha de raciocínio. Ela se afastou e assentiu.

– Farei o que puder. O que você descobriu?

– Muitos dos deuses se recusam sequer a reconhecer minha existência – Hermes disse em um tom conspiratório, como se tivesse informações preciosas. Sua voz se fundiu ao vento suave soprando através de antigas árvores e espalhando flores brancas e ramos de folhas, como se fossem tributos aos deuses. Atena olhou em volta para certificar-se de que Ártemis não estava escondida por trás de alguma árvore, espionando-os. Ártemis logo se tornou amiga de Íris, a dupla partilhava do amor pela chuva e pelo odor de floresta molhada. Atena não tinha certeza se Íris apreciava os animais e a floresta em si, mas não havia como negar que seu arco-íris só poderia existir com uma tempestade.

Tal pensamento mudou a linha de raciocínio de Atena rumo a outra direção. Talvez Íris pudesse ser afastada caso os Anemoi se voltassem contra ela. Os deuses do vento raramente entravam no Olimpo, uma vez que Zeus estabelecera apenas dias de sol a uma temperatura que lhe agradasse por todo o lar dos deuses. Faria alguma diferença, portanto, com Bóreas e Zéfiro tão carentes de poder e prestígio?

– Seu mortal de estimação está tentando mudar o próprio destino.

– O quê? – os pensamentos de Atena haviam, estranhamente, perdido o foco, mas Hermes a deixou em estado de choque, despertando sua total atenção. – Ele alcançou as Moiras?

– Ele ainda está se aventurando rumo à Ilha da Criação, mas já está bem perto. Ele lutou contra o Guerreiro do Destino que as serve e o derrotou.

– Então, as Irmãs sabem que ele está indo atrás delas?

– Devem saber – Hermes disse, dando com os ombros. – E se ele conquistar o apoio delas? A vida de Zeus seria confiscada.

– Kratos ou Zeus – Atena disse, pensando sobre qual seria a diferença entre um ou outro no trono do Rei dos Deuses. – Por acaso, um seria melhor do que o outro para governar o Olimpo?

– Só se Kratos me restituir – disse Hermes.

– Zeus se dará conta do erro que está cometendo e reconsiderará seu banimento do Olimpo – Atena assegurou ao deus em lamúrias.

– Você acha, mesmo? Em breve?

Se aconteceria em breve ou não, Atena não tinha certeza. Mas foi tomada por uma sensação de desgraça iminente e se pôs em dúvida sobre se um oráculo seria capaz de amenizar seu crescente temor acerca do futuro. Ou apenas o agravaria ainda mais?

– Tenho que retornar ao Olimpo – ela disse. – Antes que Zeus sinta minha falta.

Hermes impulsivamente a agarrou. Atena o repeliu com força e, em seguida, turbilhonou-se de volta ao Olimpo. Desolada, ela percebeu de imediato que o clima de desconfiança havia aumentado, mesmo naquele curto espaço de tempo que ela passara conversando com Hermes.

God Of War 2Where stories live. Discover now