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Capítulo cinco

–Que padrão mais lindo, este – Cloto arrulhou ao reacomodar seu imenso corpo, semelhante a uma lesma, para ficar mais confortável à sua roda de fiar. Em meio à lamúria de fios voando de sua fieira, surgiram gritos distantes de dor à medida que exércitos inteiros conheciam o destino decretado pelas Moiras. – Não consigo me lembrar de já ter tecido um modelo tão bom antes. O que você me diz, querida irmã?

Átropos tirou os olhos de seu próprio trabalho. Ela estava medindo o comprimento de um fio de destino, amarrado a uma haste para manter a tensão. Se ele afrouxasse, ela teria de recalcular tudo de novo para não acabar concedendo a dádiva de uma vida longa demais ao jovem rei, acorrentado até sua morte remota. Ou, ainda pior, ele poderia morrer muito depressa, caso a impetuosidade de Láquesis a fizesse cortar prematuramente o fio, ainda frouxo. Átropos estendeu suas compridas garras, usando-as para demarcar no fio a duração adequada de vida.

– Por que, irmã, você decidiu tão rapidamente sobre o destino desse? – Cloto perguntou, olhando por cima da fieira a serpentear destinos.

– Espero brincar com ele um pouco mais – disse Átropos, suspirando. Ela ascendeu ao vento, com gavinhas negras redemoinhando no lugar das pernas. Rodopiou e, logo em seguida, restabeleceu-se em sua poltrona para marcar outro fio de destino tecido por Cloto. – Quanto tempo este deve ter? – ela devaneou.

– Você, por acaso, está perguntando minha opinião? – Cloto riu. – Claro que não está, não é mesmo, querida irmã? Você nunca pede opinião alguma. Sempre tão dedicada a seu trabalho que nunca precisa de conselhos.

– Temos diversão o bastante ao brincar com os mortais.

– E os deuses – Cloto interrompeu. – Precisamos dedicar mais tempo a eles e menos aos insignificantes mortais.

– Você é quem diz. Tenho bons momentos de pura distração com os mortais.

Átropos passou suas garras ao longo da miríade de fios, alguns de um ouro brilhante e outros simples e brancos, como os de algodão ou outro material mundano, e, enfim, puxou um deles.

– Kratos – disse Cloto, observando o fio de ébano que tomava a atenção de sua irmã. – Esse nos trará problemas. Eu sinto isso. Deixe-me…

– Pare! – Átropos lançou suas longas garras para evitar que sua irmã tecesse um novo fio de destino para Kratos. – Nós já havíamos concordado, as três, sobre ele.

– Ele conversa com Titãs – Cloto disse.

– Nós anulamos os Titãs quando colocamos os deuses no Olimpo. Eles não são mais interessantes.

– Não se deixe ficar obcecada por ele. Irmã, volte a seu trabalho e deixe que Láquesis cuide dele. Há fios demais para tecermos e medirmos.

– Você está certa – disse Átropos, ignorando o fio negro de Kratos em favor de outro, mais interessante. – Estou concentrada em um mortal importante. Ele se contorce e peleja à toa, não tem chance alguma de escapar do destino que guardo a ele.

– Não é mais uma daquelas pragas tediosas que você tanto preza, é? – Cloto recuou, com seu corpo gelatinoso ondulando, e olhou para o emaranhado de destinos que ela planejava reunir. Nações não passavam de intrincados padrões de destinos individuais. Ela havia moldado uma tapeçaria fina dessa vez, que seria lembrada para todo o sempre pelos mortais.

– Guerra – insistiu Átropos. – Descobri um novo atalho para a destruição, que bem cabe a este personagem em particular.

Cloto olhou para o fio e bufou com desprezo.

– O quê? Agora, você acha que eu não trabalho bem, Cloto? – Átropos puxou o fio, deixando vibrações pelo caminho. – Eu afundei um continente inteiro desta maneira!

– Atlântida – disse Cloto em reprovação – mal valia seu esforço, quando temos tantos outros destinos mais refinados para tramar aos deuses e aos mortais que os adoram.

– Os deuses – Átropos disse quase com tristeza. – Eu me desapontei com eles. Pensei que a vitória de Zeus sobre seu pai Cronos fosse resultar em algo mais... divertido.

– Foi divertido o bastante para eles, mas eles são apenas deuses e dependem de nós no que diz respeito a seus destinos.

– Láquesis pode estar certa sobre Kratos. Elevado à divindade após a destruição de Ares e, então, mandado de volta à condição de mortal – Átropos disse –, isso pode ser interessante. Fico tão cansada de atribuir os mesmos destinos aos deuses, mas especialmente aos mortais. Suas vidas são tão curtas e violentas.

– Você deveria decretar mortes mais tranquilas para eles – disse Cloto. – Por outro lado, quais opções você teria? Encurtaria suas existências ou faria com que sofressem?

– Ah, acho que eu poderia permitir um pouco mais de dor em suas vidas. Você fia bem, irmã, mas eu me preocupo com o comprimento que distribuo aos fios. Parece tudo sempre tão... limitado. Tudo fica tão ordinário ao longo das eras.

– Eu sinto prazer em ver Hades recebê-los no Submundo e as torturas que são aplicadas lá.

– Kratos – disse Átropos, voltando ao assunto perturbador. – Nós precisamos ficar de olho em nossa irmã Láquesis e em seu trabalho com o mortal tornado deus, que ela tanto estima.

– Eu não o acho tão interessante assim – disse Cloto. – Seria melhor inventar uma nova criatura para copular com os mortais e os deuses. Guerras, pestes – há tantas possibilidades de cruzá-los para nos mantermos ocupadas.

– Trata-se de mortal? Ou de um deus? Alguma coisa entre os dois? – Átropos parecia estar pensativa. Enquanto ela considerava a questão, seu dedo acariciou o fio do destino vinculado ao jovem rei que lhe chamara a atenção antes, atribuindo um destino violento ao mortal acorrentado até o fim da vida. Nunca relaxada, sempre sob uma tensão agradável, a pobre criatura, ainda que fosse sofrer, proporcionava-lhe a oportunidade de uma reflexão.

– Um semideus? Quão ordinário. Os deuses se acasalam com mortais desde sempre. Já estou entediada de fiar destinos a uniões desse tipo – Cloto rejeitou a ideia.

Átropos deu uma sacudidela no fio tão habilmente que uma enorme ondulação o acompanhou. Ela sorriu ao ver o destino que desejara sendo atribuído ao jovem monarca. Ele chegaria à velhice, sim, com toda sua sabedoria e inteligência, mas o desenho único de seu fio havia ditado que seria sem as pernas. Explorar aquele personagem certamente quebraria a pasmaceira das sortes urdidas. Foi bom empreender novos destinos aos mortais.

– Láquesis desperdiça seu tempo com Kratos – Átropos disse de repente. As palavras escaparam de seus lábios de forma inesperada, pois estava com a cabeça em outro lugar.

– Bobagem, querida irmã – disse Cloto. – Ela tem algo especial reservado a ele.

– O quê?

– Ela diz ser surpresa, um presente para nós. Não devemos nos intrometer, portanto, no destino do mortal que virou o Deus da Guerra.

– Não interferir? – Átropos riu. – Ou não interferir demais? Eu vejo uma grande possibilidade de entretenimento para nós nesse tal de Kratos.

Cloto assentiu, já sem prestar atenção no destino dele, voltada que estava a sua tapeçaria, a qual decretou a morte inevitável de milhares. Apesar do que disse a sua irmã, um fio de moléstia entrelaçado ao tecido fez as cores do destino ficarem bem mais atraentes.

God Of War 2Where stories live. Discover now