17. Choque (II parte)

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Wanda, a mãe da Beatriz, chegou minutos depois na frente do prédio.
__ Olá, meninas! - disse toda simpática, quando nos aproximamos. Ela era bem jovem, parecia até a irmã mais velha de Beatriz.
Jogamos nossas coisas no porta malas do carro e então partimos para a casa da Mei. Ela já nos esperava na porta, com a mochila da escola nas costas e outra mochila em uma das mãos.
Pude ouvi-la gritar um "Até amanhã" para mãe, antes de disparar para o carro.
- Ah, isso vai ser tão divertido! - exclamou, com a mesma empolgação que eu sentia em
Beatriz. - Estou levando meus esmaltes, vocês vão adorar a variedade de cores que tenho...
Respirei fundo.
Será que ainda dava tempo de desistir?
As duas tagarelaram o caminho todo até a casa de Beatriz. Tentei me conectar no mesmo canal que elas. Mas não era fácil, a recepção de meu canal "diversão" devia estar com algum problema no satélite; toda vez que eu tentava ativá-lo vinha o aviso "aguardando sinal".

Beatriz não morava na parte mais nobre de Botafogo, mas sua casa ficava mais próxima do luxo do bairro do que do apartamento de Lena.
- O jantar sai em duas horas, - disse Wanda, assim que descemos do carro - vou preparar empanados de frango! - anunciou secretamente.
Acho que essa era sua especialidade.
Ainda estávamos no hall de entrada, quando ouvimos a buzina do carro da mãe da Ana na frente da casa. Ana se juntou a nós, e trazia consigo mais bolsas do que Mei e eu juntas.
__ É melhor sobrar do que faltar! - justificou-se, dando de ombros.
Subimos as escadas até o quarto de Beatriz. O cômodo me surpreendeu. Era um quarto de "menininha" com cortinas brancas e tapete cor de rosa no chão. Não era o tipo de quarto que eu imaginava para Beatriz. Talvez se tivesse alguns pôsteres de rock pregados nas paredes ou
algumas colchas pretas sobre a enorme cama de casal, eu não me impressionasse tanto.
- Vamos ver as roupas que comprei! - disse nossa anfitriã, abrindo as sacolas, eufórica.
- Eu adorei essa. Vai me deixar magra! - ela colocava a blusa preta de mangas curtas na
frente do corpo enquanto se olhava no espelho de corpo inteiro ao lado do armário.
Beatriz voltou a remexer nas roupas, espalhando-as alegremente em cima da cama. Parecia que tinha mais blusas ali do que eu me lembrava de termos comprado.
- Essa é pra você, Ísi! - ela me jogou a blusa azul que eu havia escolhido.
- Não posso aceitar. Isso é "produto de roubo." Não quero ser sua cúmplice. - eu disse.
- Se não aceitar não é mais minha amiga. - ameaçou ela sorrindo. Fiquei em dúvida se
aquilo era apenas uma brincadeira. - Ísi, eu vou pagar por estas roupas - disse revirando os olhos. - Minha mãe sempre me dá algum dinheiro e meu pai me manda uma mesada todo mês. Essa é a vantagem de ter pais separados, grana em dobro! - Beatriz nunca tinha me dito que seus pais eram separados, talvez não gostasse muito de tocar neste assunto.
- Obrigada! - agradeci, segurando a blusa. Beatriz pareceu nem me ouvir.
- E essa daqui... é pra você, Ana! - disse jogando para a garota uma blusa verde com
bordados.
- Ah, é linda, valeu!
- Qual dessas você quer? - perguntou a Mei, mostrando-lhe duas blusas de alças finas, uma preta e a outra marrom. Mei escolheu a marrom.
- Vou com ela amanhã para escola! - anunciou, tirando a etiqueta da nova blusa.
Depois que Beatriz desfilou pelo quarto com todas as blusas que haviam restado, descemos para o jantar.
O cheiro da comida era muito bom, enchia toda a casa.
- A senhora cozinha muito bem, isso está uma delícia! - elogiou Ana. Mei e eu apenas
concordamos com a cabeça, estávamos com a boca cheia demais para falar.
- Por favor, não me chamem de senhora. Não sou tão velha assim. Podem me chamar de Wanda, é muito mais apropriado! - pediu ela, sempre sorrindo.
Quando acabamos de comer, fomos para a sala de TV.
Mei pegou sua mala de manicure e Wanda colocou "Vanilla Sky" pra rodar no aparelho
de DVD. Ela e Beatriz eram apaixonadas pelo Tom Cruise. Fiquei impressionada ao ouvi-las repetindo cada dialogo do filme no mesmo tempo em que os atores, fiquei me perguntando quantas vezes elas teriam assistido àquele filme.
Confesso que no inicio não estava muito interessada no enredo da historia, tudo parecia confuso demais para mim, mas então as coisas começaram a mudar quando David, personagem do Tom Cruise, leva Sophia, personagem da Penélope Cruz, para conhecer o apartamento "secreto" dele, uma extensão dentro de sua própria casa, um lugar onde ele pode ficar sozinho, tipo... uma casa da piscina, ou um bosque no meio da estrada. Bom, lá, a primeira coisa pela qual Sophia se interessa são as obras de arte, dois quadros na verdade, e sim, foi aí que o filme ficou interessantíssimo.
Um dos quadros era um Monet, pior que isso, era o Céu de Baunilha, original. A essa altura eu estava praticamente colada a TV! Beatriz fez minhas unhas dos pés e das mãos, enquanto eu penetrava cada vez mais nas cenas lindas, confusas, irreais e verdadeiras que brilhavam na led 52 polegadas, e quase sai correndo da sala quando o carro em que David estava foi arremessado de uma ponte a 130 quilômetros por hora por uma certa Cameron Dias obcecada.
Aquilo já era demais.
Desde o "episódio" com Robert dentro do jipe, eu me sentia exatamente como David, como se eu tivesse sido arremessada de uma ponte a 130 quilômetros por hora e... tivesse sobrevivido.
Nada fazia sentido desde então; tudo era vazio, doloroso e terrivelmente confuso.
Wanda, Mei e Beatriz revezaram-se para fazer as unhas umas das outras. Ana e eu nos mantivemos fora da atividade por nossa inaptidão e total falta de destreza com todas aquelas ferramentas afiadas e cortantes. Wanda subiu quando suas unhas terminaram de secar. O resto de nós ficou na sala até que Beatriz visse todos os extras do DVD.
Fiquei aliviada quando a TV foi desligada e finalmente fomos para o quarto.

IntrínsecoWhere stories live. Discover now