03

470 35 15
                                    

sábado

Revivia as memórias do dia anterior, desejando nunca o esquecer. Foi atípico. Tantas janelas para invadir e acertei na melhor. Consegui recuperar a bola, ainda ganhei um lanche e um fato de treino, o que podia ser melhor?

Principalmente por ser a casa de um jovem atleta do meu clube de coração. Ser apanhada a invadir uma casa era demasiado mau, a não ser que fosse por um jogador do Benfica.

Tantas vezes naquele jardim e nunca me cruzei com o Tiago. Aqueles portões nunca foram abertos na minha presença, pelo menos, que tivesse dado conta. Correu bem demais. Com a cabeça no ar, o meu avô chamou por mim.

- Em que mundo estás, rapariga?

- Se contar, o avô nem vai acreditar. - Levei mais uma colher com sopa à boca. - Eu conto. Mas não me pode julgar, pode ser?

- O que já aprontaste?

- Então... Digamos que invadi uma casa para ir buscar a bola do Gui. - Arregalaram os olhos. Não sabia se ia correr bem ou não. - O proprietário da casa ainda me ofereceu lanche e roupa.

- Alana Prates da Costa! O que é que tu fizeste? E ficaste na casa de um desconhecido?

- O desconhecido chama-se Tiago Gouveia. Avós, até a minha loucura tem limites. Só não fugi de lá porque era ele. - Voltei a gargalhar só de lembrar, foi um momento demasiado épico.

- O Tiago Gouveia? Sei lá eu...

- O jogador do Benfica! - Esclareci o meu avô. - O amaciador da roupa é muito bom. - Eles olharam um para o outro bastante confusos.

- Temos que a internar, não temos, Alberto?

- Acho que não há salvação possível. - O meu avô, animado, lamentou por mim.

- Não consigo perceber se estão chateados ou não comigo! - Ouvi-os gargalhar sem estar à espera, o que me deixou muito mais aliviada. - Quase que o meu coração parou! - Brinquei. - Quero tanto ir à bola hoje, vocês nem imaginam!

- Alana, vê lá o que fazes! Não invadas o campo!

Balancei a cabeça, gargalhando.

Os meus avós conheciam-me melhor que ninguém, sabiam todos os meus disparates. Eram os meus melhores amigos e confidentes. Os meus maiores pilares ao longo da vida. Permitiram-me, desde pequena, viver.

Mesmo aos tropeções pelas ruas, com os joelhos esfolados e os ténis rotos, nunca me privaram dos melhores anos. De ser criança. De ser livre.

Após o almoço, deitei-me no sofá com o telemóvel nas mãos. Dei por mim a stalker o meu novo amigo. Não por muito tempo, visto receber uma chamada de vídeo de grupo. Aceitei.

Expliquei-lhes melhor a história. Ocultei a identidade do dono da casa, dizendo que era uma amiga de longa data dos meus pais. Como chovia, ofereceu-se para me levar a casa. Revelar assim a casa do Tiago não me parecia justo. Também não era justo ainda faltar para o jogo.

Estava desejosa de me sentar no meu lugar cativo há longos anos e gritar por ele. Era óbvio que não podia deixar passar a oportunidade de deixar um lembrete da minha existência. Gostava de marcar as pessoas, senão, não valia a pena.

ACASOS  ➛  TIAGO GOUVEIA Where stories live. Discover now