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quarta

Sentada dentro do carro à porta de casa, repensava na quantidade de discussões dentro da minha casa na última semana. Estava exausta. As noites mal dormidas, as aulas mal aproveitadas, a falta de capacidade para harmonizar o clima para que os meus avós não se sintam tão desolados era tudo o que pesava na minha mente.

Tinha prometido aos meus irmãos que os levava ao jardim para jogarmos à bola. Era o que andava a fazer todos os dias para evitar estar em casa. No entanto, a desculpa do estudo também ajudava, o que atenuava minimamente o ambiente.

Era pior ao jantar. Ao almoço. Ao lanche. Sempre que tentavam invadir o meu espaço.

Ouvi bater no vidro do carro. O sorriso do Simão fez com que saísse. Desafiaram-me pelos meros instantes até ao jardim. Cada um com uma bola para ver quem melhor a controlava. No local destinado, os três ganhamos.

Dávamos toques altos na bola, fintávamos-nos uns aos outros e acabamos em gargalhadas. Até o Nuno ficar petrificado a olhar para algo.

- Aquele não é o Tiago Gouveia do Benfica?

- Sim! E o Tomás! E o Samu! - Correu para junto do irmão após olhar na mesma direção. - Samuel Soares! - Gritou Nuno. Adorava os guarda-redes, pois era onde mais gostava de jogar.

Já Simão era ponta de lança. Nasceu para tal. Os dois jogavam num pequeno clube no Dubai. Parei junto deles também. Estavam à beira da estrada e conseguiram captar a atenção dos atletas. Percebi que iam passar a estrada e cumprimenta-los. Não soube sequer o que dizer.

Cada passo do Tiago na minha direção desvanecia o ruído de fundo. Conseguia ver pulos e cumprimentos, ainda que estivesse apática. Nos segundos seguintes, olharam para mim.

Cumprimentei-os também, sorrindo-lhes.

O Simão contou sobre os nossos nomes, sobre as curiosidades da nossa família e pediram para que ficassem a jogar um pouco connosco.

- Demasiado gelo entre vocês... - Sussurrou Tomás, que sabia exatamente quem eu era. Olhei para ele e depois para Tiago. - O Gouveia não me disse nada, ele é discreto.

- Não há nada para te dizer também.

Sentei-me na mesa a ver os meus irmãos jogar à bola com os três benfiquistas. Era impossível não apreciar o número quarenta e sete. A forma como sorria ao brincar com a bola nos pés, a fintar uma e outra vez o Tomás, acabando a gargalhar tantas vezes, atraiçoava-me. Traia-me.

Gostava de me levantar daquela mesa e beijar aqueles lábios bem desenhados. Sentir o toque da mão na minha pele e deixar-me levar. Sentir algo, algo mais que a presença dos meus pais.

Ele era extremamente atraente. Acordei do meu pensamento quando uma bola voou contra mim e a leve corrida do Tiago o aproximou. Chutou-a de modo a colocá-la em jogo, sentando-se. Notava-o cansado, ainda que sorridente.

Olhou diretamente nos meus olhos.

- Estás a desconcentrar-me, Alana. - Sussurrou de forma a manter a conversa entre nós. - Foi por isto que me afastaste de ti?

- Por isso o quê?

- A chegada dos teus pais. - Encarou-me. Os seus olhos penetraram fortemente nos meus. Senti um arrepio percorrer a minha espinha.

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