Capítulo 2 - Próxima parada: cama!

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É só não pensar que o avião pode ter várias turbulências e cair – tirei meus olhos da janela e virei-me para dar de cara com meu avô repetindo aquilo como se fosse seu mantra.

Já havíamos decolado há algum tempo e desde então o sangue de Vovô parecia ter deixado seu corpo, de tão pálido que estava. Eu tinha que agir antes que ele desse a louca e pulasse pela janela estreita.

— Para alguém que diz não ter medo de nada, suas mãos suando denunciam o contrário – olhei para elas, assim como ele. — Relaxe, vovô, as pessoas idosas costumam se assustar com a alta tecnologia mesmo, mas são muito seguras – brinquei.

— Ah! Cale a boca – murmurou.

Peguei sua mão esquerda e comecei a massageá-las, acalmando-o um pouco, no entanto, ainda era possível notar que ele estava bastante tenso e rígido.

Desde quando comecei a patinar, tive que viajar de avião. Grande partes dos campeonatos ocorriam em cidades mais ao sul de onde morávamos, como em cidades vizinhas do Canadá. Não posso dizer que morar no meio do nada ajudava, mas de todo modo, viagens de avião já eram um costume para mim e Arthur. Meu avô ia com dias de antecedência para os locais onde eu iria realizar as provas de ônibus. Ele tinha pânico de avião desde a primeira vez que tinha viajado e, nessa única vez, sofreu um acidente. Depois disso ele nunca mais tinha entrado em um avião. Até agora.

Uma onde de culpa caiu sobre mim. Se não fosse por minha causa nós não estaríamos nos mudando de cidade. Se não fosse por mim, nem ele e nem Arthur seriam obrigados a largar suas vidas no Alasca e ir para um estado totalmente contrário. E finalmente, se não fosse por mim, meu avô não teria que enfrentar seu pânico de avião. Era estranho que, embora eu possuísse um pouco de razão, isso fosse ridículo. Digo, achar que as coisas aconteciam em minha função.

— Eu sei no que está pensando, que nossa mudança é sua culpa. Mas não é – falou, apertando minha mão.

— O senhor pode me falar isso quantas vezes quiser, mas nada vai mudar a realidade, vovô – resmunguei, encostando a cabeça na janela do avião. — Quase me esqueci! – revirei na bolsa e peguei uma embalagem com três comprimidos brancos e lhe entreguei. — Arthur falou que um desses derrubava um elefante, ou seja, é perfeito para o senhor.

Ele abriu um sorriso.

— Arthur sempre pensando em mim – sorriu. —Quanto tempo até aterrissarmos?

— Não sei exatamente, ainda tem o fuso horário. Mas teoricamente são dezessete horas de viagem, senão mais – respondi. — Nós devíamos ter pesquisado mais sobre isso.

— É, mas ao invés disso estávamos ocupados demais reorganizando tudo que você tirava das caixas fazendo birra.

Revirei os olhos e ele me deu língua. Com a água que a aeromoça tinha-nos trago, meu avô engoliu seu remédio, desejando-me boa noite.

Ajeitei meus fones de ouvido e encostei na janela novamente, certa de que eu não poderia dormir. Junto com o sono, me vinham os pesadelos. Era inútil fugir deles, somente com altas doses de remédios tarja preta isso se fazia possível, só que eu odiava remédios.

Era certo que se eu dormisse, eu teria pesadelos e assustaria a tripulação inteira com meus gritos desesperados. Existiam cerca de três opções para sobreviver às inúmeras horas de viagem: a) dormir e acordar a todos com meus gritos; b) assistir aos desenhos infantis que estavam passando na mini televisão; ou c) ignorar meu desgosto contra ingestão de comprimidos e me render aos que Art enviara a meu avô.

Peguei uma garrafa de água e engoli junto com o comprimido. Agora só me restava esperar que ele fizesse efeito para eu cair no sono, mesmo sob ameaças de reviver tudo que eu menos desejava: meu passado.

Por trás do gelo [Em revisão]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora