CARINA

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- Direto para o banheiro, mocinha.

Ordeno a Carina, ao abrir a porta do nosso apartamento. Guardo as chaves sobre o aparador do hall no corredor e as correspondências. Ela joga a mochila no piso e corre para o sofá, liga a tv e busca filmes animados. Tomo o controle de sua mão.

- Carina, não finja que não ouviu - bufando, ela enterra o rosto na almofada. - Uma semana sem TV.

- Não, mãezinha querida - Fica em pé sobre o sofá e se agarra no meus braços. - Posso dormir com a senhora?

Faz beicinho, não resisto e dou beijos na sua face, sua risada infantil, me faz sorrir.

- Deve, amo ter minha estrelinha me colocando para dormir - Recebo beijinhos. - E ouvir suas histórias. Podemos continuar a do coelho?

- Sim, ainda não sei se o Nico gosta de cenoura.

Ela pede colo, passo suas pernas na minha cintura e a levo para a cozinha colocando-a sobre o balcão de pedra branca.

- Podemos resolver isso depois - respondo enquanto abro uma das portas do refrigerador de três portas, pego sua garrafa de água. - Antes quero conversar sobre outro assunto com a senhorita.

Bate a mãozinha na testa e se curva. Conhecendo seus truques, não lhe dou tempo.

- Sem drama, estou esperando uma explicação para a história que sua avó falou.

- Ai meu Deus, minha Deusa de Ebano, não guardou segredo, sabia.

Seguro o riso, pelo jeito de falar e não saber pronunciar ébano correto. Ela suga o canudo devagar. Encho um copo com água sem deixar de olhá-la, bato as unhas no balcão para mostrar minha impaciência.

- Sua avó, foi chamada de novo por sua professora.

- Eu devia deixar ele xingar meu amigo?

- Não, mas podia chamar a professora e não gritar com o colega.

- Mãe, a cor do meu amiguinho é bonita igual a vovó! - fala chorosa.

Puxo suas pernas e colo meu peito no seu.

- É linda, meu amor, mas promete para a mamãe quando acontecer de novo, você segura a mão do amiguinho e espera ajuda da tia.

- Vou tentar. - Sussurra sem me olhar.

Seguro seu rostinho, seu olhar curioso e que me faz sempre mergulhar em memórias tão vivas.

- Nada de tentar. Vai fazer o que eu falo, já basta as confusões que arruma no prédio dos seus avós.

Coloco ela no chão e guardo as garrafas de volta no refrigerador.

- Guarde suas coisas, pegue um pijama - Levo o copo para a pia. - Te espero no quarto e desligue a TV.

Viro para vê-la indo até o sofá pegar sua mochila, sorrio ao ver os cabelos cacheados presos num coque balançando nos seus passos despreocupados, empurra a porta invisível ao lado do painel da TV e entra no seu quarto.

Ela conhece uma pessoa, vai logo se apresentando e perguntando alguma coisa - e como faz perguntas -, mas tem esse lado, às vezes briga com facilidade com os amiguinhos.

Parada de frente a mesa quadrada, olho para a pasta executiva, dentro, os relatórios das Óticas Borges, amanhã será a reunião, apoio na cadeira ao imaginar conhecer o dono, seguirei o conselho dos meus pais, falar com a Sílvia e pedir para não falar que me conhece.

- Mãe, estou esperando!

Pego minhas coisas e vou para o meu quarto. Carina arruma o pijama sobre a cama e começa as perguntas, mergulho na sua imaginação, é o que estou precisando.

Amor ValiosoWhere stories live. Discover now