SENTIMENTO DESPERTADO

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- Heloísa, coma direito e depois coloque as pernas para cima.

Fala Kiara, minha mãe, pondo um copo de suco ao lado do meu prato. Passei a manhã entregando panfletos no centro de Santa Fé, cidade do Rio de Janeiro.

- Mãe, sua comida está uma delícia, mas estou com pouca fome. Papai ainda não ligou?

Tento mudar de assunto para disfarçar, antes que ela comece a investigar e descubra o que está tirando o meu apetite.

- Não, o advogado disse que era urgente o que tinha para falar com seu pai - ela aponta para o prato. - Sem revirar os olhos. Coma!

- Sim, senhora! - pego uma fatia do bife e mastigo com vontade, fazendo ela sorrir. - Minha mordomia acaba amanhã.

- Preciso trabalhar, nossas contas não estão atrasadas - fala enquanto guarda a jarra de suco no refrigerador. -, mas já viu! Alegria de pobre dura pouco.

Com dois passos está na pia, estica o braço e pega uma panela para lavar. Enfermeira, trabalha em um hospital particular, mas já cozinhou para muita madame, fez faxina e foi babá para pagar sua formação profissional.

Negra, guerreira e linda, corpo de passista de escola de samba. Ela aprendeu logo cedo que não se deve desistir na primeira derrota ou no primeiro grito de alguém que julga-se superior. Sofreu preconceitos dentro da própria família ao casar com um homem de pele branca.

Ela é minha inspiração para continuar lutando.

- Mas não é por isso que vou parar de sambar!

De repente ela se vira e com a panela na mão começa a sambar na nossa pequena cozinha separada da sala por uma mesa de quatro cadeiras, eu entro no ritmo e bato o talher no prato e remexo na cadeira.

O meu telefone toca, interrompendo nossa dança. Deixo no viva voz.

- Nelson não desiste de você?

- Já deixei claro que não quero reatar o namoro, mas, não posso rejeitar esse bico, a senhora sabe que eles pagam bem.

Nelson é um ex-namorado, trabalha em um serviço de buffet e quando falta alguém ele me chama para substituir.

- E quando vai se divertir, só pensa em trabalho - Faz aspas com os dedos e puxa uma cadeira, sentando na minha frente. - Filha, admiro por ser tão esforçada, mas esse tempo não volta.

- Eu sei, vou me divertir quando me formar, se acontecer um amor tão lindo como o seu e do papai, então eu aceito...

- De novo a mesma desculpa, menina, você só tem vinte e três anos, enquanto ele não chega o que mais tem é homem interessado em você.

Dou de ombros e a imito fazendo aspas com os dedos.

- Por enquanto, são estes trabalhos que estão me contratando.

Ela volta para a pia reclamando, conto até três, esperando ela continuar.

- Se eu tivesse seu corpo com essa cintura, peitos durinhos, meu Deus, e esses cabelos lindos, seus cachos são maravilhosos - ela seca as mãos, balançando a cabeça para os lados. - Se bem que estão precisando de um tratamento de choque. Espere, eu tenho algo para lhe dar.

Disfarço com um sorriso, e tomo todo o suco, meu olhos acompanha ela entrar no seu quarto, a casa é pequena, da mesa tenho visão dos quartos, meus pais priorizam só o necessário. Temos uma política de finanças, onde meu pai está aprendendo investir na bolsa de valores com uma parte do dinheiro da família.

- Aqui, use isso em seu rosto! - ela põe sobre a mesa sachês de amostra grátis de cremes. - Sua pele está seca e maltratada, estes não foram feitos para mim.

Amor ValiosoWhere stories live. Discover now