• this slope is treacherous •

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"...Não teria acontecido se você fosse responsável em relação aos seus filhos ao invés de ficar brincando de casinha!" A voz levemente estridente invade os sentidos de Kyra aos poucos, ainda distante e um tanto abafada.

Ela tanta se mexer um pouco, mas se sente estranha. Sua boca está estranhamente seca e a cabeça lateja. Ainda meio sonolenta, parte de seu consciente implora para que ela volte ao seu sono profundo, mas outra parte grita para que fique em alerta e abra os olhos. Por um momento ela não faz nem um, nem outro, apenas escutando a conversa ao seu redor.

"Meus filhos estão perfeitamente bem, e o que aconteceu foi um acidente, já disse. Não vou ficar discutindo isso" a voz masculina é seguida de um suspiro "Você sequer ouviu o que eu disse? Eu conto pra você o milagre que foi o Mosquito ter dado esse passo importante e isso é tudo que você tem pra dizer?!"

Alan. Aquele era o Alan, com toda a certeza. Ele estava falando com ela?

"Claro! Você mesmo não disse que ia tirar férias para viajar em família? Ela não é parte da família Máximo, Alan. Eu sou!" A voz estridente retruca, e Kyra percebe que não, obviamente não era com ela. Ela instintivamente franze o cenho e se encolhe um pouco, tentando abrir os olhos, mas a claridade é intensa demais. Ela imediatamente os fecha de novo. "E eu aposto que eu também teria conseguido convencer o Mosquito, mas você sequer me deixa tentar!"

"Petra, eu nunca te proibi de se aproximar das crianças. Você que nunca se deu bem com elas." Petra. Claro que aquela era a Petra. Já um pouco mais consciente, Kyra tenta mais uma vez abrir os olhos, consideravelmente mais devagar dessa vez. Aos poucos sua visão vai focando, mas ela enxerga apenas um teto branco com um lustre e um ventilador.

"Você nunca me deu espaço, não como da pra ela! E eu te conheço desde sempre, primo! É muito injusto"

"Isso é um exagero enorme, e esse não é o momento pra discutir isso, então por favor, se contenha. A Kyra pode acordar a qualquer momento, e..." Ao ouvir seu nome, ela imediatamente murmura algo sem sentido de forma instintiva, e Alan logo aparece no seu campo de visão. "Kyra! Que bom que você acordou... Ta se sentindo bem?"

A decoradora tenta levantar a cabeça do travesseiro para vê-lo melhor e assentir, mas o movimento faz Alan girar em seu campo de visão. Ela deixa a cabeça pender de volta e fecha os olhos novamente.

"Calma, não força" seu tom é ainda mais aveludado e doce que o normal. Kyra respira fundo.

"Ta tudo bem" sua voz sai meio rouca e fraca, e ela volta a abrir os olhos devagar, aliviada em ver que o mundo parece mais estável de novo. "Só fiquei um pouco tonta por um momento"

"É normal, o médico disse que poderia acontecer" Alan explica. Petra não aparece no seu campo de visão, e Kyra internamente agradece por isso. Mas as coisas ainda estavam bem confusas.

"Onde a gente tá?"

"Num posto médico, Kyra. Você foi atingida por uma bola na cabeça, e acabou apagando."

Ela assente, absorvendo a informação. Isso explica a cabeça latejando. Kyra consegue então se lembrar do momento em que aconteceu, o rosto aflito de Alan a última coisa que viu antes de tudo escurecer. Realmente havia um grupo jogando futevôlei perto de onde eles estavam, provavelmente haviam chutado a bola nela sem querer, supõe. Alan abre a boca para dizer mais alguma coisa, mas a porta do quarto se abre antes disso. Uma médica simpática de meia-idade entra, cumprimentando-a em espanhol. Ela faz algumas perguntas a Kyra e logo começa a examina-la, falando também sobre alguns exames que fizeram quando estava desacordada. Aparentemente estava tudo bem com ela, mas com uma pancada na cabeça era sempre bom observar. Por esse motivo, ela orientou que a decoradora ficasse em repouso pelo resto do dia, e disse que logo ia lhe dar alta para que descansasse em casa (no caso, no hotel) receitando apenas um analgésico para a dor de cabeça.

• just go with it •Where stories live. Discover now