Get Me Out

By ownthe-night

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Nos últimos dois anos tudo o que eu mais queria era não ter que ir àquele manicômio todos os meses para visit... More

Loud Thoughts
Unplanned Changes
Church Bells and Phone Calls
Acknowledging Madness
Dream up, Dash off
Catalyst
Highways, Neighborhoods and Lies
Everything I Want, Everything I Need
Antidepressants and Sense of Humor
Taped Confessions
I Dont Want You To Leave
Wait Outside
Forget the Shelves, See the Irony
Brittle it Shakes
Karma
Take Shelter
One love, one house; No shirts, no blouse
Dazed and Kinda Lonely (part I)
Strung out, a Little bit Hazy (part II)
Telekinesis
When did We Grow Old?
Concilium
Tic-Tac
In the Clear Yet? Good.
Rewind
I didn't mean to fall in love tonight
Over (part I)
Red Liquors and Silver Keys
Wednesdays
Hi
Until You Come Back Home
Write it down
Caos, herself

Shadows

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By ownthe-night

Quarta-feira. Era o dia em que ela finalmente iria sair de lá e eu estava mais do que ansiosa para vê-la. A chuva era incessante e a umidade do clima era realmente desanimadora, mas nada iria me fazer mudar de ideia.

Dois anos. Ela finalmente iria sair de lá.

Peguei minhas chaves, joguei meu casaco por cima do ombro, tranquei a porta e peguei o elevador. Por algum motivo pareceu demorar mais do que o habitual. A campainha soou. Entrei na cabine e cliquei no último botão do painel. Uma sensação estranha tomava conta de mim.

Nostalgia? Medo? Ansiedade?

Eu não fazia a menor ideia.

As portas se abriram. Coloquei meu casaco rapidamente e fui em direção ao estacionamento. Estava tudo tão calmo, tão silencioso que chegava a ser perturbador. Liguei o carro e rumei em direção ao lugar mais inquietante e repulsivo que eu já havia visitado.

Kings Park.

O hospital psiquiátrico onde minha irmã vive. Bem, não mais.

~~

A chuva parecia ter dado uma trégua. A viagem não demorou muito e cerca de 40 minutos e eu já estava na estradinha que dava para os portões daquele manicômio. Desacelerei ao chegar perto da entrada. O guarda, – um cara gordo, barbudo e ligeiramente arrogante – deu uma risadinha ao reconhecer a placa do meu carro. Senti meu estômago revirar.

Baixei o vidro e ele se aproximou.

"Boa tarde, Srta. Jauregui", ele disse.

"Olá, Gordon", sorri sem mostrar os dentes.

Era um nome horrendo e ironicamente adequado. Terrivelmente adequado.

"Está aqui pra visitar a sua irmã?" É claro que ele iria dar um jeito de bisbilhotar a vida alheia. Típico.

Rolei os olhos e encarei o relógio do painel.

1:50PM.

"Na verdade eu vim buscá-la", falei simples.

"Mesmo?", a curiosidade invasiva dele era o que mais me perturbava. Deus, o que custava abrir a droga do portão e me deixar passar?

"É... Quem diria, hein? Por mais escroto e precário, aparentemente esse lugar faz milagres", falei.

Ele levanta uma sobrancelha e enruga a testa. Espero que tenha se ofendido.

"Certo..." Ele coça a barba e alguns farelos de bolacha que estavam escondidos entre os pelos caem sobre a farda amarrotada. Uma sensação de náusea me faz desviar o olhar. "Eu vou comunicar a eles que você chegou", ele diz se afastando.

Fecho o vidro imediatamente.

O portão abriu e eu avancei alguns metros. Aquele amontoado de ferro parecia que ia cair a qualquer momento, mas milagrosamente funcionava.

Ele acenou e entrou na casinha minúscula que ficava ao lado da entrada.

Estacionei o carro no lote 4 que ficava bem em frente ao pavilhão onde Taylor estava. Tranquei as portas e coloquei a chave no bolso. Uma enfermeira me esperava na ponta da escadaria com um sorriso forçado nos lábios.

"Srta. Jauregui", ela estende a mão e eu a cumprimento.

Ela gira os calcanhares e começa a subir os degraus. A pintura gasta e inexistente em alguns pontos do prédio dava um ar ainda mais macabro ao local. Chegamos ao lobby.

"Fique aqui, eu vou buscá-la. A Sra. Willians vai lhe mostrar os documentos que você precisa assinar", a enfermeira aponta em direção ao balcão caindo aos pedaços que ficava à direita do salão.

Ela desaparece rumando em direção à escadaria. Caminhei até a bancada. A senhora – uma mulher extremamente gentil, que sempre dava um jeito de puxar assunto quando me via – digitava lentamente no computador à sua frente. Sorri ao ver a cena.

"Sra. Willians!" Falei alto demais. Droga.

"Oh! Lauren! Quanto tempo!" Ela se mexe na cadeira barulhenta e levanta devagar contornando o balcão. Um sorriso genuíno brincava nos lábios.

Ela enlaça os braços na minha cintura e dá algumas batidinhas nas minhas costas. Ri internamente.

"Você está tão bonita..." Ela diz se afastando. "Está mais magra desde a última vez que te vi."

Minhas bochecham esquentam, mordo o lábio inferior.

"Obrigada", respondi ligeiramente envergonhada.

"Então quer dizer que sua irmã finalmente recebeu alta", ela caminha em direção à cadeira que estava sentada antes. "Deve estar feliz com as notícias."

Respirei fundo. É, eu estava mais do que feliz.

"Eu não vejo a hora de levá-la pra casa", foi tudo o que eu disse.

Ela sorri e coloca uma pasta de papel pardo em cima do balcão.

"Abra na última página e assine as quatro últimas linhas", ela me instrui colocando uma caneta preta em cima do amontoado de papéis.

Fiz como ela mandou. Última folha, quatro últimas linhas. Ela sorri e carimba o documento.

"Eu realmente espero que as coisas melhorem. Taylor é uma menina adorável", Sra. Willians diz.

"Taylor é uma mulher", corrigi. "É uma pena que ela perdeu os dois últimos anos da vida aqui dentro", entreguei a caneta com uma expressão cética no rosto.

Ela crispa os lábios e fica em silêncio. Escuto uma voz familiar vindo das escadas.

"Lauren!"

Foi tudo o que eu ouvi antes de sentir o baque do corpo de minha irmã contra o meu. Deus, ela parecia mais animada do que eu. Isso era ótimo.

Era fantástico, na verdade.

Ficamos por aproximados três minutos abraçadas. Em determinado momento eu juro que pude ouvi-la fungar e me perguntei mentalmente se ela estava chorando. Eu não a culpo.

Eu também chorei.

"Você está tão bonita", ela diz com a voz rouca contra o meu cabelo.

Puxo o ar para dentro dos pulmões com força. Sorri com as palavras.

"Você passou dois anos aqui dentro. Mas ironicamente está mais bonita que eu", falei com a voz embargada e ela riu.

Nos separamos.

Ela não havia mudado muito, se é que isso é possível. Apenas os traços do rosto estavam mais fortes e o cabelo estava sem dúvidas dois palmos mais comprido do que da última vez que eu a vi.

Não era à toa que na infância éramos conhecidas pela cor dos olhos. O tom esverdeado estava incrivelmente escuro e a sombra que ela havia ganho de presente de uma das funcionárias por bom comportamento não passou despercebida por mim.

Taylor estava linda. E ela estava saindo desse lugar.

Eu não conseguia acreditar que ela finalmente iria voltar pra casa comigo.

"Você pegou todas as suas coisas?" Indaguei secando as lágrimas do rosto dela com meu polegar.

Ela olha para trás e eu percebo que a enfermeira segurava uma mochila azul.

"Está tudo aqui. Nós conferimos", a funcionária falou.

Assenti agradecendo. Taylor colocou a mochila nas costas e fez um coque bagunçado nos cabelos. Aparentemente alguns hábitos continuaram os mesmos.

"Eu não ganho um abraço?" Ouvi uma voz vindo de trás do balcão.

Oh, é claro.

"Sra. Willians!" Taylor falou sorrindo. Correu para trás do balcão tropeçando nos próprios pés e abraçou a senhora. O fato de não ter dado nem a chance da pobrezinha levantar da cadeira me fez rir. 

"Agora que você já está melhor, por favor, tome juízo, ok?" Pediu ao se separar do enlaço. Observei minha irmã assentir e encarar a figura mais velha com total atenção.

Era bem óbvio que o papel dela não se limitava ao de recepcionista. 

"Certo", ela sorri.

"E trate de ajudar sua irmã."

"Eu vou sim, pode deixar."

"Ótimo. Agora vá, criança. Aproveite sua vida."

Se abaixou depositando um beijo estalado no topo da cabeça da senhora e se afastou caminhando em minha direção.

"Vamos" Pedi animada.

Engoli seco ao vê-la franzir a testa e fazer uma cara de que havia esquecido alguma coisa. 

"O que você esqueceu?" Indaguei.

"Nada", ela balança a cabeça. "Eu só queria dar tchau pra uma amiga... Minha única amiga aqui".

Eu não fazia a menor ideia do que ela estava falando.

"Você tem uma amiga aqui?" Uni as sobrancelhas. "O que aconteceu com aquela história de que você odiava todo mundo e que mal podia esperar pra sair daqui?"

Ela ri.

"Isso foi antes. Sério, eu realmente queria me despedir."

O adeus parecia importante para ela.

"Ok, pode ir", falei puxando a mochila de suas costas. Ela dá alguns pulos com um sorriso gigantesco nos lábios. "Mas não demora, por favor", a alertei.

"Tá. Eu juro que não demoro!" Gritou se afastando.

A Sra. Willians me encara com um sorriso debochado.

"O quê?" Pergunto.

"Você sabe que ela vai demorar, não sabe?"

Rolei os olhos.

Sentei em uma das cadeiras que ficavam no centro do lobby. Havia uma vidraça enorme – e super suja, por sinal – que dava de frente para o estacionamento onde eu havia deixado meu carro. A chuva havia voltado com tudo e eu me perguntei mentalmente se Taylor iria demorar como a Sra. Willians falou.

Eu sei que era importante e que uma amizade aqui dentro vale por duas lá fora, mas eu só queria sair daqui. Será que é tão difícil de entender?

Bom, no final das contas a Sra. Willians estava certa. Taylor demorou. É claro que ela ia demorar. Taylor sempre demora.

Cinco minutos, dez minutos, quinze, vinte, vinte e cinco minutos e nada de ela aparecer. Grunhi irritada.

"Será que eu posso procurar ela ao invés de ficar esperando aqui?" Indaguei encarando a mulher atrás da bancada.— Será que eu posso procurá-la ao invés de ficar esperando aqui? — Indaguei fitando a Sra. Willians.

"Você tem certeza?" Franziu o cenho. "É um prédio grande, querida."

"Eu só quero ir embora", levantei da cadeira jogando a mochila azul por cima do ombro. "Eu vou ficar bem."

Ela deu de ombros. Tomei como um sim.

Respirei fundo e marchei em direção às escadas. Em dois anos, eu nunca havia passado da sala de visitas e, de fato, os corredores a partir do hall, pareciam ser intermináveis.

Isso definitivamente não era bom.

Porque, era como se fosse de propósito. Para qualquer paciente que ousasse escapar, acabasse perdido no meio de tantas direções. Hoje eu entendo a frustração relatada nas histórias de fugas que eu já escutei. Eu me sentia como se estivesse em um labirinto. Tudo aqui era tão grande, tão frio, tão estranho. O chão era constituído por um piso quadriculado, onde o preto era preto e o branco era marrom. Havia dezenas de pinturas — nem tão artísticas, por sinal — penduradas de forma aleatória nas paredes. Os arranhões profundos nas portas também não passaram despercebidos por mim.

Fico me perguntando como Taylor melhorou ao invés de piorar aqui dentro.

No caminho, cruzei com alguns enfermeiros, cuja expressão era robótica e sombria. Carregavam bandejas repletas de comprimidos, agulhas, seringas e doses medicinais para todos os cantos. Nenhum deles pareceu se importar com a minha presença ali. Era como se eu não existisse. 

Quando me dei conta de que não haviam pacientes neste andar, decidi subir até o terceiro nível e ver o que poderia encontrar.

Digamos que não foi a melhor ideia que eu tive na vida. Não havia absolutamente nada a não ser um longo corredor com duas saídas: direita ou esquerda. Por pura superstição, decidi ir pela direita. Não que isso fosse me ajudar ou coisa assim. 

O silêncio do andar era a coisa mais perturbadora que eu já havia presenciado antes. Porque, quando você escuta coisas, sonoros, conversas, significa que há alguém por perto. Independente das intenções, sendo alguém bom ou ruim, há uma figura que você pode recorrer e pedir ajuda caso algo aconteça. Agora quando você não escuta nada além do barulho que seus próprios pés provocam no chão, você finalmente entende o real significado da palavra tortura.

E considerando o fato de estar perambulando pela porra de um manicômio, eu tinha todo o direito do mundo de sentir medo.

Andei por bons cinco minutos. A umidade e frieza do local não eram piores que o cheiro angustiante de mofo. Não havia placas ou sinalização alguma, o que me irritava profundamente. A iluminação definia todos os níveis da palavra "precário", e toda vez que eu via três lâmpadas piscarem ao mesmo tempo, meu coração falhava duas batidas.

Escutei gritos distintos vindo do corredor de trás. Meu corpo gelou, minha respiração que já estava completamente irregular, passou a ser inexistente e agora eu realmente gostaria de estar sentada na recepção esperando por minha irmã. 

Eu não conseguia respirar. Minhas pernas pareciam gelatina e minhas mãos soavam frio. Decidi voltar. Meia volta volver e eu entrei no segundo corredor. Dobrei a direita. O hall não era o mesmo e minha visão ficou turva. 

Eu estava perdida.

A ideia de gritar por ajuda até passou pela minha cabeça, mas o medo era tanto, que eu estava incapacitada de verbalizar uma sílaba. Verdade seja dita: eu mal conseguia andar. Voltei de onde havia começado, dessa vez optando pela esquerda.

Depois de passar por uma longa galeria e algumas portas arranhadas, eu acabei na ala dos dormitórios. Em uma das rápidas visitas que eu fazia quinzenalmente, Taylor havia me falado sobre essa parte do prédio. Não havia portas, apenas portais pobremente concretados.

Os dormitórios possuíam janelas enormes, que pelo fato de ficarem fora do alcance de mãos e próximas do teto, estavam imundas, o que também dificultava a iluminação no cômodo. Haviam dezenas de camas enfileiradas lado a lado por menos de um metro de distância, o que denunciava a superlotação e falta de espaço que minha irmã também comentara comigo meses atrás. Um grito ecoou novamente no corredor. Eu conseguia ouvir meus batimentos.

"Você não aprende, não é?!" Uma voz feminina soou em seguida. Vinha do quarto ao lado.

Por instinto e curiosidade, decidi seguir os sons e me deparei com uma cena que me fez gelar da cabeça aos pés.

Uma enfermeira — que por sinal, era cinco vezes maior que o meu tamanho — tentava conter uma paciente a deitando na cama. Tentava de alguma forma aplicar um tipo de injeção no braço dela. O tamanho da vítima foi o que mais me chamou atenção: ela era tão pequena.

Frágil, delicada demais para estar num lugar como este. Era como ver um filhotinho lutando miseravelmente contra um homem de dois metros de altura. Senti um nó se formar em meu estômago. A enfermeira segurou o braço da paciente com violência, e finalmente perfurou a pele com a agulha. Os gritos, já completamente roucos, se intensificaram com o ato.

Meu corpo inteiro tremia. Eu não sabia o que fazer. E para ser sincera, eu não podia fazer nada. Eu nem deveria estar aqui.

A gritaria cessou após alguns segundos. Talvez ela havia cansado de lutar e pedir ajuda — afinal de contas, a agulha já havia entrado mesmo. Agora, tudo o que eu conseguia ouvir era um choro baixinho acompanhado de um soluçar. Logo em seguida, observei a enfermeira jogar a agulha sobre a bandeja e caminhar em direção à saída. Minha direção.

"Quem é você?" A mesma indagou ao perceber minha presença em local proibido.

"Estou procurando minha irmã. Ela recebeu alta hoje e já estávamos de saída", respondi o mais calma possível. 

"Você está perdida?" Se aproximou da porta. Estava perigosamente perto de mim.

"Não senhora", forcei um sorriso. "Apenas procurando."

Assentiu convencida. Estava prestes a passar por mim quando minha curiosidade falou mais alto.

"O que ela fez para merecer isso?" Indaguei apontando para a mulher encolhida na cama do canto.

"Ela viu anjos novamente", fez aspas com os dedos em tom de deboche. "É uma completa doida, não se comova."

Engoli seco.

"Ela vai ficar bem?"

"Não me preocuparia com isso se fosse você", adentrou o corredor. "E espero que saiba onde está se metendo e que ache sua irmã logo."

"Sim senhora", assenti a vendo desaparecer de meu campo visual.

Agradeci mentalmente por ela não fazer mais questionamentos referentes a minha presença em um local expressamente proibido para visitantes. Agora que ela já havia ido embora, eu pude examinar melhor a figura que antes chamou tanto minha atenção.

Apesar de trêmulas, minhas pernas pareciam se mover sozinhas em direção a ela. Antes que eu pudesse me conter, minha curiosidade mesclada com preocupação voltou a falar mais alto.

"Você está bem?"

Eu e meu incrível talento de fazer perguntas óbvias.

Mas não era minha culpa. Eu já havia visto demais para simplesmente sair e ignorá-la. Me aproximei ainda mais. Era como um ímã me puxando na direção dela. Não ousava se mexer ou responder, mas pude notar que o choro havia cessado. Isso era bom, certo?

Parei minhas pernas ao chegar no rodapé da cama onde ela estava. Apesar de estar encolhida, abraçando as coxas e enterrando a cabeça entre os joelhos, eu pude ver um pedacinho de seu rosto. A pele era branca como giz, os cabelos eram compridos e escuros e a cintura finíssima mal conseguia sustentar a calça de moletom que usava.

"Você está bem?" Indaguei novamente.

Permaneceu estática por alguns segundos antes de levantar o rosto e respirar fundo. Parecia juntar forças para formular uma frase coerente ou coisa assim.

"Qual seu nome?" Sorri ao perceber que ela não se sentia ameaçada com minha presença. Tudo que eu mais queria era conversar e me certificar de que estava bem. Lentamente, retirei a mochila das costas e coloquei a mesma no chão. Assustá-la estava nas últimas das minhas intenções. 

"Camila", ela fala. Leva a mão até a bochecha para secar as lágrimas e desenrola as mangas da blusa até os pulsos avermelhados. Se mexe na cama finalmente sentando e abraça as coxas novamente. Parecia inquieta.

"Você está bem?"

"Você pergunta muito isso, não acha?" Inclinou a cabeça para o lado. Se eu não estivesse tão nervosa, diria que havia captado um esboço de sorriso nas feições angelicais. "E eu não sei", a voz ligeiramente embargada. "Não sei o que ela injetou em mim dessa vez."

Dizer que eu estava chocada seria o mal-entendido do século.

"Isso acontece com frequência?" Perguntei boquiaberta.

"Pelo menos uma vez na semana", ela fala apoiando as mãos no colchão para sentar. Tinha olheiras e os olhos estavam inchados e vermelhos. Estava visivelmente debilitada.

"Ela disse que você viu anjos", falei simples.

Camila riu.

Deus, era um sorriso lindo.

"É, eu vejo umas coisas aí", Camila disse.

"Anjos?"

"E outras coisas", ela fala abraçando os joelhos. O rosto minimamente escondido atrás das coxas. "Mas eu não te conheço o suficiente pra ter esse tipo de conversa".

Eu estava em um hospital psiquiátrico, perdida e tendo uma conversa sobre anjos com uma paciente. A minha vida é uma piada.

"Eu não tenho uma seringa escondida em minha mochila, se é isso que você quer saber. Não estou aqui para te machucar."

Riu soltando o ar pela boca.

"Tem duas sombras atrás de você", ela fala simples.

Uno as sobrancelhas e viro para trás. Não havia nada.

"Sombras?" Pergunto assustada.

"Eu realmente não sei dizer se são anjos. Parecem duas pessoas de preto", a simplicidade com que ela falava isso me deixou alarmada.

"E o que exatamente elas estão fazendo?"

"Conversando", ela diz olhando para o lado. "Parecem zangadas que eu estou te contando sobre elas".

Senti um peso nas pálpebras. Pisquei algumas vezes.

"Tem certeza de que não é algum efeito colateral daquela coisa que ela injetou em você?"

"Não... Acho que era um calmante", ela boceja e aponta para a boca. "Viu? Já tô ficando com sono."

Rolo os olhos.

"Você não deveria estar aqui", Camila diz.

"Eu tô perdida", ri. "E agora com medo. Vai que essas sombras tentem fazer algo contra mim, não é?"

Camila levanta uma das sobrancelhas e desvia o olhar. Parecia entretida demais com algo que aparentemente estava acontecendo atrás de mim. Devem ser as sombras, pensei.

"Eu posso te mostrar o caminho de volta", ela me encara. Os olhos castanhos fixados nos meus.

"Não... Quer dizer, eu adoraria, mas você já esgotou a sua cota de castigos por hoje", balancei a cabeça. "Apenas me diga que corredor eu tenho que pegar que eu saio daqui.

"Okay então," ela balança os ombros.

Peguei a mochila que havia jogado no chão e coloquei nas costas.

"Ao sair da porta você dobra a esquerda. Vá sempre reto até chegar à galeria. Dobre o portão e caminhe até chegar nas escadas. Desça dois andares e dobre à direita. A recepção é logo ali", Camila pisca.

Uau, era como se ela fosse um GPS ou algo do tipo.

"Você realmente conhece esse prédio", falei perplexa.

Ela ri.

"Bem... Nove anos aqui dentro e quinze tentativas de escapar meio que me ajudaram a memorizar os caminhos".

Engoli seco.

"Nove anos?"

"Você deve ir", ela muda de assunto. "Se a enfermeira voltar e ainda estiver aqui você pode arranjar problemas".

Balanço a cabeça.

"Certo", sorrio nervosa. "Okay, eu vou. Tem certeza de que vai ficar bem?"

"Eu não controlo isso, querida", Camila brinca.

Caminhei até a porta com um nó no estômago.

"Ah—", ela fala e eu me viro imediatamente. "Quando sair daqui, não pegue a Northern State. Use a I-495. É mais seguro".

"Mas é uma estrada mais longa", falei confusa.

"Apenas faça o que eu estou dizendo. Não pegue a Northern State."

Assenti.

"Certo."

"E diga que mandei um abraço à Taylor", ela diz.

Eu só queria dar tchau pra uma amiga... Minha única amiga aqui.

"É você? Amiga da Taylor?"

"É... Digamos que sim", ela sorri.

"Oh... Okay... Eu digo a ela", coloquei meus cabelos pra trás e acenei para ela. "Tchau, Camila".

Ela não responde. Apenas sorri.

Entrei no corredor tentando me lembrar das direções que ela havia me dado. Dobrei à esquerda. Alguns passos à frente e eu escuto sua voz ecoar baixinho atrás de mim nos corredores.

"Tchau, Lauren."

Ri internamente.

~~

"Por que estamos usando outro caminho?" Taylor perguntou enquanto aquecia as mãos em frente ao compartimento de ar do carro.

Aumentei a temperatura do ar-condicionado.

"Não sei... Só queria ir por uma rota diferente", menti.

Ela dá de ombros. Liga o rádio.

Gira o botão de estações umas cinquenta vezes antes de parar em uma rádio de notícias. Rolei os olhos.

"...estamos ao vivo trazendo notícias do acidente na Pkwy, mais conhecida como rota Northern State..."

Franzi a testa.

"Aumente o volume, Tay", falei nervosa.

"...o acidente aconteceu às 2:36PM e ainda não se sabe a quantidade exata de feridos, mas a polícia já chegou no local e já está imobilizando as vítimas..."

Taylor apontou para o rádio com uma expressão de pavor no rosto.

"Lo! Não era essa a estrada que nós íamos pegar?"

Encarei o relógio no painel. 2:41PM. Meu coração disparou.

"...duas ambulâncias já foram deslocadas e estão indo em direção ao local..."

Tudo o que eu pensava era em Camila. Camila não era louca.

Ela salvou a minha vida.

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