Livro 1 - A Elfa, O Homem e a...

By gableaot

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Lannuaine é um nome bastante conhecido pelos elfos de todo o reino. É mais antigo que o reinado dos homens, q... More

Capítulo I - Enquanto Crianças
Parte 03
Parte 04
Capítulo II - O Germinar [Parte 05]
Parte 06
Parte 07
Parte 08
Capítulo III - A Guerreira [Parte 09]
Parte 10
Parte 11
Capítulo IV - O Homem da Virtude [Parte 12]
Parte 13
Parte 14
Parte 15
Parte 16
Capítulo V - Sob as asas da águia [Parte 17]
Parte 18
Parte 19
Parte 20
Capítulo VI - Novos Horizontes [Parte 21]
Parte 22
Parte 23
Parte 24
Capítulo VII - A Rainha e a Prisioneira [Parte 25]
Parte 26
Parte 27
Capítulo VIII - Não Há Mais Lar [Parte 28]
Parte 30
Parte 31
Parte 32
Epílogo

Parte 29

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By gableaot

Ara dormia. Uma fase da lua já havia se passado desde que fora trancafiada naquela cela vazia, e qualquer distração que conseguia imaginar para si mesma perdia o sentido bastante rápido. Não deixavam que recebesse livros, um instrumento, o qualquer coisa que não fosse água ou comida, e só o que restava para distrair a mente da elfa era sonhar. Não se sentia culpada por sua suposta ofensa, e por enquanto ainda não fora acometida pelo terror da morte iminente, então o sono lhe vinha fácil, embalado pelo tédio extremo.

Acordou com o som de passos se aproximando. Era noite, escuridão tomava a prisão naquela lua nova, mas Ara soube quem chegava. Reconhecia os passos daquela que já havia considerado uma amiga, ainda considerava, mas algo lhe dizia que Gaoth não pensava o mesmo.

Gaoth destrancou a cela, segurou Ara pelo braço e, mais uma vez, guiou-a pelos corredores de Lúchairt. Dessa vez, não cruzaram com ninguém, tampouco Ara sabia para onde estava sendo levada. Conhecia a grande árvore e por mais que seguissem caminhos que Ara não estava acostumada, tinha noção da direção que tomavam. Com a mão livre, Gaoth abriu uma grande e alta porta de madeira, entalhada com figuras de animais e plantas, e entrou arrastando Ara.

A sala do trono era um espaço acostumado com o vazio. Amplo e sem mobília, ninguém passava por lá, não tinham o que fazer ali. Apesar de tudo, era um cômodo com certa suntuosidade, como se Ghrèin fosse realmente dono de algum título, das terras, ou dos próprios elfos. As paredes altas eram cobertas por pinturas e flores plantadas diretamente na madeira, do teto descia um enorme candelabro de ferro, suas incontáveis velas acesas naquela lua, uma raridade. Um trono esculpido na madeira ficava no alto, cinco degraus acima do chão, adornado com galhos pintados de dourado, flores e trepadeiras. Ara observou o assento e pensou que era bonito demais para ser usado por Ghrèin.

Em uma atitude exagerada, Ara foi acorrentada à uma argola de ferro presa ao chão, posta ali talvez exatamente por esse motivo. As correntes não eram longas, com a intenção de que mantivesse o corpo curvado, ou ajoelhasse. Ara escolheu por manter a coluna ereta, cabeça erguida, e não demonstrar submissão. Sentou-se de pernas cruzadas no chão, observando a irritação no rosto de Ghrèin e esforçando-se para conter um sorriso.

Gaoth deixou o salão, e Ara se viu sozinha, de frente para o elfo em seu trono.

— Achou mesmo que ia conseguir me enganar? — ele perguntou. — Você era uma nova recruta, Ara, nunca a confiaríamos por completo com qualquer tarefa que fosse. Precisava mostrar sua lealdade antes.

Ghrèin inclinou o corpo para frente, entortando o rosto um pouco para o lado, concluiu:

— Você não passou no teste.

Ara precisou se controlar para não bufar, tentou manter o rosto impassível, mas soube que ódio transbordava de seus olhos. Não disse nada.

— Te dei uma oportunidade, Ara. O reino está mudando, você poderia estar com os vencedores desde o começo — Ghrèin falou, agora mais sério. Não parecia desapontado, apenas irritado com o desperdício.

— O que aconteceu com Iolanda? — Ara perguntou.

Ghrèin riu.

— O que você acha?

Precisavam dela morta, morta está, Ara pensou, baixando a cabeça. Havia concluído o mesmo no momento em que fora presa, mas um restinho de esperança em seu ser ainda pedia pela confirmação. Torcia para que sua dita traição tivesse sido descoberta apenas quando Iolanda já estivesse no navio, em alto mar, longe dos tentáculos terrenos da Virtude. Ficara observando a embarcação partir sem perceber nada de errado. Sentia o peso de sua falha.

Sem ter uma resposta de Ara, Ghrèin suspirou, e disse:

— Bem, pedi para que a trouxessem aqui antes dos outros para deixar algo claro.

Ara se limitou a levantar o olhar e encarar Ghrèin. O elfo continuou:

— Não existe a menor chance de você ser absolvida neste julgamento, então não precisa criar alarde. Acabou, criança. Seu destino está selado, não tem mais para quê lutar.

Ara piscou, como se tudo aquilo lhe causasse tédio extremo.

Com um movimento exagerado das mãos, Ghrèin chamou por Gaoth, que esperava do lado de fora do salão, junto à porta.

— Está na hora. — o elfo disse.

Gaoth assentiu e se retirou.

Não demorou muito para que a sala do trono se inundasse de elfos, cada um que entrava lançava um olhar acusador para Ara. Ela não se importou, apenas encarava de volta. Viu Dìon entrar, preferiu que ele não assistisse à todo aquele teatro, mas não havia nada que pudesse fazer.

Um círculo se formou ao redor da prisioneira, composto por seus colegas guerreiros, chocados, ofendidos e irritados. Também haviam trabalhadores de Lúchairt, que cuidavam do campo, ou dos animais, ou que faziam vinho. Lannionad quase inteira havia se interessado em assistir a queda de Ara, mas ninguém ousou se aproximar mais do que três passos largos dela, que ficou sozinha no centro, sentada e acorrentada ao chão. Ghrèin, acima de todos sentado em seu trono, falou:

— Ara, filha de Dìon e Lórien, você é acusada de traição, pela tentativa de assassinato de seu líder. Tem algo para dizer?

Sua voz, grave e forte, tomou conta do ambiente e todos se calaram, ansiosos pela resposta da jovem elfa.

Ara, com a expressão obstinada, sustentou o olhar de Ghrèin enquanto disse:

— Sabemos muito bem que nunca tentei te matar, ó grande líder — todo o desdém possível cobriu as últimas palavras.

Murmúrios pelo salão, Ghrèin olhou-a com irritação. Aquela negativa nada mudaria, mas significava um julgamento mais longo, e exigia certa paciência.

— Claro, claro. — Ghrèin falou, movimentando as mãos. — A punição para traição e assassinato é a morte, então por que concordar com a acusação e poupar nosso tempo, não?

Ara teve vontade de rir. Era estranho escutar um elfo reclamando sobre a perda de tempo, mas esta questão parecia preocupar Ghrèin nos últimos sóis. Um julgamento apenas um ciclo de lua após a prisão era algo bastante veloz para Lannuaine, que não estava acostumada com situações do tipo e precisava de mais tempo para conversar sobre. Ainda, Ara tinha certeza que todos ao seu redor adorariam que aquele evento se estendesse até que as estrelas sumissem dos céus — tinha até visto cenhos franzidos com a ideia de terminar rápido o julgamento. Era algo diferente e instigante, algo para se demorar na criação de canções demonizando Ara e sua gigantesca e absurda traição. Esperavam destrinchar o momento e passá-lo com calma, absorvendo tudo. Elfos não têm pressa, nunca.

Exceto Ghrèin, é claro. Ele se preocupava com o reino humano, o que significava que deveria caminhar no passo desnecessariamente acelerado dos homens.

— Vamos aos fatos. — o líder falou, e iniciou sua longa narrativa.

Contou que Ara teria chegado em Lannuaine escondida, tomando cuidado para que ninguém a visse — a elfa escutou cochichos sobre como sua atitude era desleal e sorrateira. Ghrèin afirmou que Ara teria ido direto encontrá-lo, com a desculpa de informar sobre o resultado de sua última missão. Despretensiosa, Ara teria perguntado ao líder se precisava de algo mais, bebida, comida... E Ghrèin teria aceito que a elfa lhe trouxesse vinho. De acordo com ele próprio, começou a estranhar a oferta enquanto Ara buscava a garrafa, já que ela nunca havia feito tal gesto, nem nada do gênero.

Novos murmúrios correram o salão, quanto a falta de educação da elfa, como não era nada prestativa — beirava o desrespeito. Ara viu o rosto do pai murchar, mas tentou conter suas emoções, não demonstrar qualquer tristeza ou reação àquela mentira. Com o canto do olho, percebeu que Anluath havia entrado no salão, se mantendo atrás das filas de elfos, quase escondido nas sombras. Fechou os olhos por dois segundos, saboreando uma pequena sensação de alívio.

Ghrèin continuou, narrando como Ara retornou e deixou a garrafa e taça em cima de uma mesa, ele agradeceu gentilmente, sem deixar nada transparecer, mas se pôs à analisar o líquido assim que Ara havia deixado seus aposentos. O líder contou como sentiu um cheiro duvidoso, e como a cor da bebida, posta contra a luz, estava estranha. Terminou afirmando que, com uma simples magia encontrada em um livro seu, pôde confirmar que a bebida não era segura.

— Provas? Temos poucas — Ghrèin afirmou — Ara foi muito bem treinada pelos nossos mestres, arranjou veneno e buscou a garrafa sem ser vista por ninguém. Mas vocês têm a minha palavra, bem como a de Gaoth e Sgàil, que vieram ao meu auxílio assim que reparei em algo estranho com o vinho, e os chamei.

Os dois guerreiros se destacaram da multidão e se colocaram aos pés de Ghrèin. Mantinham a postura ereta, e sequer baixaram o olhar para Ara. Era impossível ler qualquer coisa em seus rostos. Eles acreditam sem questionar no que Ghrèin fala, confiam mesmo sem qualquer indício de que é verdade, Ara pensou, ao ver seus amigos ali se opondo à ela de tal forma, ou se deixam enganar para manter o posto, ou Ghrèin realmente os transformou em marionetes.

A jovem elfa imaginou que não deveria ser a única a realizar missões ditas especiais, que talvez Gaoth e Sgàil se sentissem relevantes aos pés de Ghrèin, de alguma forma melhores. E estavam dispostos a ignorar muito para manter o sentimento. Ara se perguntou quantas pessoas seus companheiros também teriam assassinado. Será que seguiam uma lista dada por Zaras? Lembrou-se da expressão de nojo no rosto de Gaoth, na noite em que fora presa, e teve de se concentrar para não demonstrar, naquele momento, o mesmo desprezo. Era, de fato, uma amizade condenada.

O medo tomou conta de seu corpo, com tantos de seus antigos companheiros seguindo cegamente as ordens de Ghrèin, que esperança tinha? Concentrou-se para não deixar o pavor transparecer e buscou conforto na presença de Anluath e de seu pai.

— Sgàil, Gaoth, vocês confirmam tudo o que eu falei? — Ghrèin perguntou, observando o salão, ansioso para ver como a resposta de seus guerreiros seria recebida.

Ambos responderam que sim, assentindo, e o público deliciou-se. A traição, por não ter resultado em tragédia, era mais interessante do que chocante ou ofensiva.

— Ara, tem algo à dizer? — Ghrèin perguntou, recostando o corpo em seu trono, triunfante. Sua expressão declarava a vitória.

Respirando fundo, Ara perguntou:

— Onde está a garrafa?

Por uma fração de segundo, a preocupação cruzou os olhos de Ghrèin. Fora muito rápido, mas o suficiente. Ara decidiu por insistir.

— O quê? — o líder retrucou.

— A garrafa. A garrafa envenenada. Onde está?

Ghrèin revirou os olhos de forma um tanto teatral demais, respondeu:

— Ainda em meus aposentos, em cima da mesa.

Ara não disse nada, esperando que o silêncio desse espaço para murmúrios, que levaram Ghrèin a dizer:

— Sgàil, vá até meu quarto e traga a garrafa.

O guerreiro saiu, em passos rápidos, e tanto Ara quanto Ghrèin se mantiveram em silêncio, sem desviar o olhar um do outro. Ara imaginou se havia realmente uma garrafa, ou se Sgàil era leal à Ghrèin a ponto de trazer uma qualquer, caso não visse nada no quarto.

Cochichos viraram conversas em voz alta, entretidas, cheias de suposições. A maioria não entendia o que a traidora assassina queria com a garrafa, dizendo que não faria nenhuma diferença. Uma elfa jovem, atrás de Ara, perguntou para a mãe como que a garrafa poderia não estar ali já, considerando que era a maior prova do crime. A mãe mandou que se calasse. Outro se perguntou quem manteria bebida envenenada em cima de uma mesa do quarto por uma fase de lua inteira, vai que se esquecia e tomava por acidente? Mas logo aceitou a justificativa de que não seria possível se livrar de uma prova como aquela, precisava ser mantida em algum lugar. Eram poucos os comentários que consideravam a mínima chance da inocência de Ara, pelo que a elfa ouvia, seus companheiros já haviam a condenado.

Quando Sgàil retornou, segurando uma garrafa de vinho aberta e uma taça, o silêncio se fez de imediato. Ara se divertiu ao ver que a taça, qual se supunha ser a mesma usada por Ghrèin, era feita de metal, e seria impossível colocá-la contra a luz para ver a cor da bebida. A garrafa de vidro verde escuro também apresentava a mesma dificuldade.

— Bom, aqui temos — disse Ghrèin — O que quer com a garrafa?

— Quero tomar uma taça. Cheia. — Ara respondeu.

Exclamações de choque fizeram-se ouvir, murmúrios curiosos. Ela iria se matar?

Ghrèin hesitou por um momento muito breve e, em seguida, sinalizou para Sgàil, indicando que desse uma taça à Ara.

Bom, ele já deve ter imaginado uma resposta a altura, a jovem elfa pensou.

As correntes presas ao chão faziam com que fosse difícil segurar a taça e tomar o vinho. Contorcendo-se, conseguiu beber todo o conteúdo do copo. Seja lá o que acontecer, pelo menos recebi uma excelente última taça de vinho, refletiu, rindo consigo mesma, mas ainda mantendo o rosto impassível.

Largou a taça no chão, o som do impacto reverberou no salão, e fez-se silêncio enquanto todos esperavam alguma reação.

Ara manteve a respiração controlada e voltou a encarar Ghrèin. Esperou.

Não tinha veneno no vinho, Ara soube antes mesmo de tomar, fora treinada para detectar esse tipo de coisa. Ghrèin não havia pensado em fabricar uma prova falsa, por que sabia que não seria necessário. Aquilo não afetaria o julgamento, mas Ara torceu para que mudasse alguma coisa.

Escutou sussurros confusos quando os elfos ao seu redor perceberam que não iria morrer.

— Se ainda está viva — Ghrèin falou — claramente envenenou a garrafa com algo em que já tem resistência. Assassinos treinados são cheios desses truques, assim você poderia brindar comigo enquanto me assistia morrer. Maléfico.

Murmúrios de compreensão encheram o salão, mas não por completo.

Ghréin se levantou.

— Esse teatro nada muda. — disse. — Ara, por traição e tentativa de assassinato, eu a condeno à morte. Alguém aqui se opõe?

Nada além de cochichos enquanto o olhar de Ghrèin percorria por seus elfos.

Ara continuou mirando Ghrèin.

— Então eu condeno Ara, filha de Dìon e Lórien, à morte. No fim do próximo sol, ela será executada.

Novas exclamações de surpresa. Nunca ninguém fora executado tão rápido, sequer haveria tempo para conversar sobre aquilo, cantar — ou pensar.

Gaoth deixou sua posição, liberou Ara das correntes e, mais uma fez, a segurou pelo braço.

Ara foi levada da sala do trono, de volta para a prisão.

Não teve coragem de desviar o olhar para seu pai, receava chorar se o fizesse, então continuou olhando para frente, ignorando os comentários horríveis que a seguiram. 

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