Livro 1 - A Elfa, O Homem e a...

By gableaot

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Lannuaine é um nome bastante conhecido pelos elfos de todo o reino. É mais antigo que o reinado dos homens, q... More

Capítulo I - Enquanto Crianças
Parte 04
Capítulo II - O Germinar [Parte 05]
Parte 06
Parte 07
Parte 08
Capítulo III - A Guerreira [Parte 09]
Parte 10
Parte 11
Capítulo IV - O Homem da Virtude [Parte 12]
Parte 13
Parte 14
Parte 15
Parte 16
Capítulo V - Sob as asas da águia [Parte 17]
Parte 18
Parte 19
Parte 20
Capítulo VI - Novos Horizontes [Parte 21]
Parte 22
Parte 23
Parte 24
Capítulo VII - A Rainha e a Prisioneira [Parte 25]
Parte 26
Parte 27
Capítulo VIII - Não Há Mais Lar [Parte 28]
Parte 29
Parte 30
Parte 31
Parte 32
Epílogo

Parte 03

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By gableaot

Blath corria de um lado para o outro do palácio de Lùchairt com mais liberdade do que deveria. Os elfos que trabalhavam na grande árvore precisavam se conter para não reclamar diariamente com Ghrèin sobre seu filho, que surgia do nada, e a toda velocidade, quase derrubando uma elfa levando potes de cereal, ou quase caindo por cima de uma carreta carregada com barris de vinho. Blath, por mais irritante que fosse, era uma criança ágil, e costumava se salvar dos encontrões no último segundo. Não causava muito dano, mas a toda hora deixava algum elfo desconcertado.

De pouco adiantava se queixar com Ghrèin, não que ele se recusasse a agir ou algo do gênero, mas sim por que já tinha bastante consciência dos hábitos de seu filho e era um dos que mais se irritava. Não era incomum escutar um grito dentro do palácio, seguido por um sermão de Ghrèin, vermelho de raiva, após Blath entrar correndo em seus aposentos, tropeçar em si mesmo e quase destruir uma tapeçaria que agarrou durante a queda. Mas, normalmente, era apenas a ameaça de causar um estrago. Nos seus setenta e cinco anos de vida, Blath só havia realmente quebrado uma garrafa de hidromel por entrar correndo em algum ambiente. No caso, tinha sido a sala de leitura de seu pai, e a garrafa continha um hidromel especial que havia sido presenteado à Ghrèin por Perin Ilphelkiir. Ghrèin tinha feito o filho carregar consigo três grandes sacos de farinha toda vez que saía de um cômodo a outro, por três dias inteiros, em uma tentativa de diminuir a velocidade de Blath. Os resultados foram pouco satisfatórios.

Depois de alguns anos, aqueles que frequentavam ou moravam em Lùchairt tinham se acostumado aos sustos diários que o filho de seu líder lhes causava, e foi com certa estranheza que notaram, nos dias que seguiram o velório, que Blath caminhava vagarosamente pelo palácio. Arrastava os pés, seus passos pareciam lentos até mesmo se comparado com o andar normal de um elfo. Encarava o chão e o longo cabelo preto azulado escondia seu rosto, sem disfarçar sua expressão triste.

Foi assim que entrou na grande cozinha do palácio e largou o corpo em uma cadeira alta, de madeira escura, próxima ao balcão onde um elfo cortava legumes. A cozinha ficava no espaço oco mais baixo de toda a árvore, o que fazia com que os deliciosos odores das sopas de cebola, tortas de carne ou dos bolos com calda de morango alcançassem muitos dos outros cômodos. Uma grande rampa a conectava com o solo da floresta e, por lá, elfos entravam arrastando carretas com barris de vinho, caixas com verduras e legumes, ovos, ou até mesmo animais, já abatidos, para serem preparados para refeições. Outros produtos chegavam naquela mesma abertura de uma maneira diferente, em um grande cesto de palha, preso a uma roldana lá no topo da árvore, que trazia sacos de fruta ou garrafas de hidromel, os produtos preparados nos níveis mais altos da cidade. Os elfos içavam o cesto até as elevadas pontes, colocavam ali o que era destinado à cozinha, e o desciam de volta. O cesto batia em um sino de vento quando chegava lá embaixo, assim os cozinheiros sabiam que teriam algo para recolher.

O ambiente estava sempre colorido, um grande número de caixas era empilhado no canto, com cenouras, berinjelas, alface e rúcula, maçãs, laranjas, limão, e todo o tipo de alimento. Em outra ponta, uma mesa era usada para o tratamento dos animais, e havia sempre algum pendurado por ali, um porco ou cordeiro, fora o balde cheio de peixes frescos, que era trazido por pescadores todos os dias. Aquela cozinha não alimentava só os moradores de Lúchairt, mas também uma grande parte do vilarejo. Os guerreiros, guardas, mercadores que lidavam com estranhos que não viviam na floresta. Todos os que não tinham tempo para preparar sua própria comida se alimentavam no palácio, então havia sempre elfos cozinhando na grande árvore.

Dìon era um desses, e um dos melhores. Sempre que cozinhava atraía alguém curioso, que havia sentido o cheiro a distância e queria ver o que era preparado. Sua torta de maçã deixava elfos com água na boca por Lúchairt inteira, geralmente precisava assar umas cinco por vez. Na tarde em que Blath sentou-se ao seu lado, picava cebola roxa e queijo para rechear uma torta. Dìon nada disse quando o jovem chegou, sabia que falaria em seu próprio tempo. Blath tinha sofrido com a morte dos três guerreiros quase tanto quanto seus familiares, era próximo de todos, por crescer no castelo. Não só por isso, era amigo de Ara desde que se recordava, e nutria um carinho especial por Dìon e Lórien. Blath sentia que havia perdido uma tia, sangue de seu sangue.

— Ela está caçando? — o jovem perguntou, depois de assistir a Dìon picar três cebolas inteiras.

O elfo assentiu:

— Para variar. Sempre que ela fica chateada temos carne para o jantar. Hoje vou fazer torta. — ele disse, apontando com a faca para a massa já aberta em cima da bancada.

— Ela vai demorar. — Blath falou, apoiando o rosto em sua mão.

Dìon concordou com a cabeça. Elfos, quando necessário, eram bastante rápidos com a caça. Não tinham esse costume, mas sabiam ser bastante eficientes. Seus passos leves não alertavam os animais, se camuflavam na floresta e não tinham nenhuma dificuldade em alcançar a presa, ou em acertá-la com uma flecha. No entanto, não era assim que Ara caçava. Ela não matava o primeiro animal que via e voltava para casa.

Para a jovem elfa, a caça era um exercício de concentração e conexão com a natureza, usava aquele tempo para se acalmar, para esvaziar a mente de todos os seus pensamentos e emoções, para se tornar uma com a floresta. Encontrava um animal e o observava por horas, descobria se era macho ou fêmea, se acabara de ter filhotes, se estava amamentando. Observava se parecia doente ou não, se poderia ser consumido depois de morto. Ara não queria deixar filhotes desamparados, não queria matar uma criatura e depois ter que simplesmente enterrá-la por estar com vermes no intestino. Esperava a floresta escolher, lhe dizer de qual animal era a vez, se era um javali, um cervo. Deixava que Lannuaine apontasse qual de seus habitantes deveria partir.

Lórien que havia lhe ensinado a caçar assim, a ouvir a natureza. Era pacífico se unir a floresta, fazer parte daquele todo, e esquecer de seus sentimentos. Tudo o que fazia era seguir adiante, observar. Lannuaine havia a levado a um porco selvagem, que andava sozinho por entre os arbustos. Era macho e saudável, mas velho, e de médio porte. Aquela criatura já havia vivido por anos na floresta, e agora era o momento de deixá-la. A metros de distância, Ara acompanhou seus movimentos com o arco em punho, respirou fundo, e atirou de forma certeira na cabeça do bicho. Morte rápida, indolor, mais pacífica do que um porco selvagem costuma ter. A elfa se aproximou do animal, retirou a flecha e fechou seus olhos. Com ele sobre um ombro, voltou a passos lentos para o vilarejo.

Quando alcançou a cozinha de Lùchairt, encontrou Blath sentado ao lado de seu pai, comendo um pedaço de torta de amora que parecia recém feita.

— Você demorou um pouco mais que o normal. — Dìon comentou.

— O animal certo demorou para aparecer.

Ara levou o porco selvagem para outra mesa, mais adequada para sua próxima tarefa, e começou a trabalhar no animal. A segunda parte mais importante da caça, após ter certeza de que escolhera sua presa de acordo com a vontade da floresta, era tratar corretamente da carne e não desperdiçar um pedaço sequer. Jogar qualquer coisa fora seria desrespeitoso ao sacrifício do animal. Tirou sua pele sem danificá-la, seria usada para algum propósito. Separou todos cortes, salgou-os e colocou partes em uma cesta, para levar ao pai.

— Hoje vai ser torta de carne. — ele disse, e continuou os preparativos.

Ara sentou-se à mesa, ao lado de Blath, com os braços cruzados. Gostava de assistir ao pai trabalhar.

— Você está ficando muito boa com o arco, não é? — seu amigo perguntou, com certa animação na voz.

— Ficando? — Ara respondeu, levantando a sobrancelha.

— Cuidado Blath, vai ofender a fera. — disse Dìon, sem levantar os olhos das ervas que picava.

— Certo. Cada vez melhor então? — A elfa não respondeu, então ele continuou. — Você podia ir treinar comigo. É um bom jeito de se distrair, que nem caçando. Com certeza você seria muito boa.

Ara arregalou os olhos e esticou o corpo no banco, passando a prestar mais atenção. Blath, por ser filho do líder, vinha tendo aulas para se tornar um guerreiro havia já alguns anos, mas não era comum uma criança treinar para lutar, por isso Ara nunca havia pensado no assunto. A ideia lhe parecia maravilhosa. Aprender, junto com seu amigo, as técnicas de combate dos elfos significaria seguir os passos de sua mãe, algo que sempre tivera vontade. Ara respeitava muito Dìon, via como era amado e considerado por todos, sempre tinha respostas, sempre sabia como agir. No entanto, era sua mãe em quem sempre quisera se espelhar, a heroína de Lannuaine, protetora da floresta e de seus irmãos. E, agora que ela havia os deixado, o treinamento parecia ainda outra maneira de se manter próxima à Lórien.

— Eu posso? — ela conseguiu dizer, hesitante.

Blath deu de ombros, não havia pensado que os mestres poderiam julgar que a elfa não estivesse pronta.

— Claro! É só falar com meu pai. — ele fez uma careta — Eu acho.

— Eu posso? — Ara repetiu, dessa vez olhando para seu pai.

Dìon ergueu as sobrancelhas, falou:

— Até parece que eu conseguiria te impedir. Sempre soubemos que esse dia ia chegar, não? Vão, tentem, peçam à Ghrèin.

— Ótimo! — Blath exclamou, e saiu correndo da cozinha.

Ara não o seguiu, a princípio.

— Você sempre soube? — ela perguntou.

— Querida, quase todos nós seguimos os passos de nossos pais e continuamos fazendo o mesmo trabalho. Você nunca fez sequer uma pergunta sobre culinária para mim, em compensação, pedia que sua mãe contasse as histórias das missões e aventuras dela por horas. Aprendeu a caçar com trinta anos, já usa o arco como se fosse uma extensão de seu próprio corpo. Esteve claro desde sempre qual de nós você preferiria seguir. — ele sorriu, mas os olhos, cobertos de preocupação, não acompanharam os lábios. — Lórien era maravilhosa, uma grande inspiração. Eu tenho certeza que você a deixará orgulhosa.

Fazia pouco desde a morte de Lórien, apenas algumas semanas. Para os elfos, era uma quantidade de tempo insignificante. A dor ainda era forte, a perda sufocante, e Ara não sabia dizer se estava pronta. Teve medo que o treinamento, em vez de distraí-la, fizesse com que a mãe se tornasse uma presença constante demais, e que não tivesse forças para aguentar.

— Eu... — ela hesitou, olhando para o chão. — Eu não sei se consigo.

Dìon pela primeira vez interrompeu seu trabalho.

— Você não precisa começar agora. Mas eu concordo com Blath, acho que vai lhe fazer bem.

— Mas... eu vou sentir que ela está me olhando! O tempo todo, vai ser demais, triste demais. Sentir, mas ela não está ali de verdade.

— E você já não sente isso? Quando você sai para caçar, não acha que ela está lá para ajudar a te mostrar qual animal deve trazer? Quando vai dormir, não a escuta cantando em seu ouvido?

Ara aquiesceu.

— Pode lhe fazer bem, você vai se sentir mais próxima dela.

— Você não acha que vai doer demais?

Dìon limpou as mãos em um pano preso à sua cintura, e estendeu-as para a filha, do outro lado da mesa.

— Mesmo que doa, vai valer a pena.

Dessa vez, sorriu de verdade.

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