Livro 1 - A Elfa, O Homem e a...

By gableaot

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Lannuaine é um nome bastante conhecido pelos elfos de todo o reino. É mais antigo que o reinado dos homens, q... More

Parte 03
Parte 04
Capítulo II - O Germinar [Parte 05]
Parte 06
Parte 07
Parte 08
Capítulo III - A Guerreira [Parte 09]
Parte 10
Parte 11
Capítulo IV - O Homem da Virtude [Parte 12]
Parte 13
Parte 14
Parte 15
Parte 16
Capítulo V - Sob as asas da águia [Parte 17]
Parte 18
Parte 19
Parte 20
Capítulo VI - Novos Horizontes [Parte 21]
Parte 22
Parte 23
Parte 24
Capítulo VII - A Rainha e a Prisioneira [Parte 25]
Parte 26
Parte 27
Capítulo VIII - Não Há Mais Lar [Parte 28]
Parte 29
Parte 30
Parte 31
Parte 32
Epílogo

Capítulo I - Enquanto Crianças

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By gableaot

1

Lannuaine é um nome bastante conhecido pelos elfos de toda a terra. É mais antigo que o reinado dos homens, que as guerras e a posterior paz entre raças. Desde o início, desde que navios vieram do sul, sempre houve elfos em Lannuaine. Eles construíram um grandioso vilarejo, não em tamanho, mas em beleza, e lá viveram, afastados dos conflitos mundanos, durante séculos.

As árvores crescem por dezenas metros, suas copas cheias escondem o sol, e os enormes arbustos e samambaias disfarçam as poucas trilhas nunca mapeadas. Partes da vegetação densa se erguem como paredes. Homens, anões, halflings e outros seres nunca perderam muito tempo se aventurando pela floresta, era muito fácil se perder, sair da trilha, e nunca mais encontrá-la. As folhas se embaralham para os visitantes, trilhas se alongam nas duas direções, a sensação é de nunca estar se movendo. Plantas rasteiras parecem se mexer enquanto o explorador não está olhando, tramando e conspirando. Barulhos estranhos sempre os cercam, e surge o medo de ser puxado para o mato fechado por alguma criatura desconhecida.

Os de sorte logo chamam a atenção de algum elfo que, conhecendo aquela mata a ponto de sentir falta de um galho que caiu de uma árvore, conduz o explorador de volta a uma trilha em questão de minutos. O elfo sempre desaparece logo em seguida, desconfiado que é de qualquer estranho andando pelas suas terras, e deixa o aventureiro se perguntando se havia sonhado com aquela aparição.

Esses são os sortudos. São poucos os elfos que habitam a vasta floresta, e exploradores perdidos podem passar despercebidos por dias e mais dias. Caso consigam sobreviver, encontrando água e comida, em algum momento serão resgatados e guiados para um caminho seguro. Não são todos que conseguem. Também não são todos que confiam nos elfos, consideram essas criaturas egoístas e arrogantes, e não acreditam que teriam a boa vontade de levá-los a uma trilha para fora daquele labirinto verde. Acham que é algum tipo de armadilha, e preferem seguir seus caminhos sozinhos. Esses cometem o pior erro. Elfos não são arrogantes, apesar de passarem essa imagem, mas também não se importam o suficiente com os homens ou anões para insistir. Aqueles que recusam ajuda não recebem uma segunda chance, e são abandonados à própria sorte.

Lannuaine, no entanto, não é ameaçadora para seus habitantes, a floresta canta em seus ouvidos, as folhas dançam com sua presença, e o vilarejo pertence àquele lugar tanto quanto suas árvores. Poucos homens já visitaram Lannionad, a cidade dos elfos, mas histórias sobre sua beleza alcançam os quatro cantos da terra. Diz-se, entre eles, que o vilarejo é tão belo quanto a floresta é assustadora.

Quatro torres de pedra se erguem junto às árvores, marcando os limites da cidade. Já quase não se vê mais a pedra que, depois dos muitos séculos, foi coberta pelo musgo e pela vegetação. Flores azuis, vermelhas, amarelas e roxas se mesclam com trepadeiras que chegam até o alto da torre, pássaros fazem ninhos nos buracos entre as pedras, e as construções parecem adquirir vida.

Os elfos construíram suas casas no alto, e rampas de madeira circulam por entre as árvores para alcançá-las. Corrimões da galho, lembrando chifres de cervos e decorados com fios dourados e flores, acompanham as rampas. Todo o ar parece cintilar, como se minúsculos vagalumes dividissem a cidade com os elfos. Cada casa tem características peculiares, mas todas integram Lannuaine como se tivessem crescido naturalmente. Os Ilphelkiir, que fazem hidromel há mil e duzentos anos, haviam transformado sua casa em uma gigantesca colmeia, folhas douradas formam hexágonos e brilham ainda mais ao refletir a luz do sol. Os Holimion, melhores joalheiros que a floresta conhecia, e talvez que os elfos conhecessem, tinham construído seu lar como uma dália cor de rosa, feita de pedras preciosas e prata. Os Meliamme, apesar de uma família de guerreiros, tinham a moradia mais delicada de todas, construída com vidros coloridos no formato de uma lagarta. Quando o sol batia diretamente na casa, iluminava seu redor com reflexos na cor verde, amarelo, ou laranja.

Elfos andam de um lugar para o outro por pontes levíssimas de madeira, que mais parecem feitas de folhas. Postes de galhos entalhados se erguem pelos caminhos e iluminam a noite com luzes douradas. Grandes praças foram construídas onde diversas pontes se conectam, e grupos amigáveis ali se reúnem para cantar, contar histórias, beber e comer. Um aqueduto de pedra, alto o suficiente para alcançar a cidade, acompanha as rotas mais movimentadas, por onde elfos passam carregando alimentos, garrafas de bebida, ou materiais para o trabalho.

No centro de tudo, está o que chamam de Lùchairt, a enorme árvore que foi transformada em palácio. Tem grandes espaços ocos, perfeitos para serem decorados como grandes salões, e em um deles fica o trono de Ghrèin. Os elfos não consideram Ghrèin como um rei, mas sem dúvidas é seu líder, quem organiza os eventos, o exército, o comércio. É um dos elfos mais antigos e sábios de Lannionad, e confiado para tratar dos assuntos desinteressantes dos quais ninguém queria se ocupar, enquanto faziam vinho e hidromel, escreviam músicas, ou cuidavam da floresta. Ghrèin lida com os pequenos problemas, e os elfos vivem em harmonia.

Lannionad é quase sempre um lugar pacífico, onde a música corre com o vento, e sorrisos estão sempre presentes. Quase, pois nem mesmo os elfos são abençoados com apenas dias alegres. Existem exceções.

Como o dia de um velório.

A cidade estava vazia, os elfos se reuniam em outro lugar, afastado de Lannionad. Era uma ampla clareira, usada apenas para os rituais de passagem, e a canção que preenchia este pedaço da floresta era sempre melancólica. Uma grande fogueira ardia no centro, a chama subindo por metros. Três altas camas construídas com galhos, flores e folhas estavam ao seu redor, em cada uma delas jazia um elfo, esperando para ter seu corpo cremado, para que seu espírito pudesse flutuar até os Salões Autrais. Três guerreiros, que haviam deixado Lannuaine para lutar com os homens em algum conflito que o restante dos elfos não compreendia por completo, e haviam sido derrotados.

Ghrèin caminhava por entre seus companheiros caídos, com uma expressão de pesar rara em seu rosto. Sua presença era impactante, os olhos cinzentos observavam todos com carinho e atenção, tinha a pele clara e os cabelos longos e negros, macios como seda, sempre acompanhando seus movimentos como se tivessem vida própria. O líder mantinha a postura ereta e aparentava ser mais alto que todos os outros, apesar de ter uma estatura bastante mediana. Ele interrompeu seu caminhar e pousou o olhar por um breve momento em uma jovem elfa de cabelos azuis, que tinha o rosto já vermelho pelo choro e tristeza, antes de se dirigir a todos:

— Não estamos muito acostumados com a morte. — disse, apoiando a mão sobre a testa de um dos guerreiros caídos. Sua voz era grave, forte, e envolvia todos que estavam o escutando. — Tanto tempo passou desde que nos reunimos em volta desta fogueira pela última vez, que esquecemos a sensação, e parece que sofremos uma dor nova e desconhecida.

A menina com o rosto vermelho caiu de joelhos ao chão, ela tinha apenas sessenta e três anos, uma criança ainda, e pisava pela primeira vez naquela clareira. Seu pai, em pé a seu lado, pôs a mão sob seu ombro e tentou conter o próprio sofrimento.

— Eu sei que muitos de vocês estão com raiva agora, podem estar se perguntando por que ajudamos os homens, por que sacrificamos os nossos por motivos que nos são tão estranhos e incompreensíveis — Ghrèin continuou. — Temos paz em Lannuaine, mas nem sempre foi assim, e não é assim em toda a terra. Temos uma responsabilidade para com as outras raças, temos conhecimento, técnica, força, e muito mais experiência que eles jamais poderiam ter. Essa responsabilidade, às vezes, traz consequências ruins.

O elfo fez uma longa pausa, observou seus companheiros, e continuou:

— Mas, ainda assim, estamos fazendo o bem. Nossos três guerreiros, eles fizeram o bem.

Ghrèin parou de falar e outra canção começou. Ele caminhou até a menina de rosto vermelho e cabelos azuis, ajoelhou-se em sua frente e estendeu-lhe a mão.

— Ara? — chamou. — Venha comigo.

Ara olhou para seu pai, como se esperasse por autorização. Ele apenas assentiu, e a menina segurou a mão de Ghrèin. Os dois caminharam a passos lentos até a fogueira, Ghrèin pegou uma tocha que ali estava presa ao chão e a entregou para Ara.

— Pela canção que criou o mundo, nós, elfos, não deveríamos ter nosso espírito separado do corpo, mas a canção também sabia que a terra não seria perfeita. Quando nossos antepassados decidiram vir para Lannuaine, eles conheciam os riscos, sabiam que a vida entre outras raças era confusa e mais perigosa. Mas também é muito mais rica e interessante. — Ele voltou-se para a pequena elfa — Sua mãe morreu protegendo dezenas de homens, que lutavam contra criaturas malignas e horrorosas, para proteger seu lar. Existem criaturas más nesse mundo, Ara, que querem controlá-lo, mesmo quando isso significa a perda de muitas vidas. Eles não se importam com seres comuns, simples, mas sua mãe se importava. Ela fez de tudo para salvá-los, e conseguiu, por muito tempo. Ela é uma heroína, e seu espírito não estará mais conosco, mas será celebrado nos Salões Austrais por toda a eternidade.

Ghrèin indicou o fogo para Ara, mas ela não sabia o que fazer. Compreendendo isto, o elfo abriu um sorriso encorajador, agachou-se ao lado da criança e disse:

— Nós agora vamos libertar o corpo de sua mãe, acenda a tocha na fogueira, e leve para o altar onde ela está.

Ara assentiu, uma lágrima percorreu seu rosto enquanto aproximava a tocha do fogo. Levou a chama até sua mãe, e Dìon, seu pai, foi ao seu encontro. Ele apertava com força o pingente de osso do colar que usava, os nós de seus dedos já ficando brancos. Respirou fundo, os dois acenderam juntos a pira que levaria aquela elfa tão amada para longe. Os familiares dos outros guerreiros se dirigiram a fogueira no centro, pegaram as outras tochas e repetiram o rito.

Em pouco tempo, os altares lamberam em chamas, as quatro grandes fogueiras ardiam na frente dos elfos. A música ficou mais alta, a melancolia tentando se transformar em esperança, em felicidade pelos espíritos daqueles companheiros que partiam para longe. Fagulhas voavam e seu brilho se misturava ao verde dos vagalumes. O fogo dançava no ar, adquirindo cores quase mágicas, colorindo a noite que chegava com azul, rosa e verde. A luz dourada e quente enchia a clareira, aquecendo os elfos tanto por fora quanto por dentro, dando a sensação de que aqueles bravos guerreiros partiam, mas que os deixavam sem tristeza, sem arrependimentos.

A medida que o fogo ia consumindo os corpos, os galhos e as flores, os elfos iam se afastando. As famílias, Ghrèin, sua esposa e filho foram os últimos a retornar para Lannionad.

Ara nunca se esqueceria de como era sua mãe, bem como guardaria para sempre a memória deste dia. O fogo envolvendo o corpo em um abraço caloroso, mas também ameaçador, o laranja consumindo o verde, o roxo e o marrom, tudo aquilo lhe marcava. O sentimento, a dor, pareciam permanentes, a sensação era de que nada preencheria o vazio que acabara de ser criado. Ela sentiu ódio, imaginou o que fazer com as criaturas que tinham atacado a cidade dos homens, os seres egoístas que queriam tudo para si, tão maliciosos e arrogantes, e ao mesmo tempo tão poderosos, para terem derrubado a guerreira que era sua mãe.

Pois isso ela era, uma grande guerreira, a melhor de todas. Ara lembrava-se de vê-la treinando, como dançava empunhando uma espada, a agilidade com a qual se movimentava, a precisão com que usava um arco e flecha. Ela só usava essas habilidades para proteção, de sua filha, dos elfos, de todos. Sua mãe era uma heroína, que fora tirada deste mundo por criaturas malditas.

Ara voltou para Lannionad junto de seu pai, com punhos cerrados, sentindo o corpo tremer. Sabia que agora sua mãe estava livre, mas não era suficiente.

— Ela não quer que você fique com raiva, Ara. — Dìon falou. Ele olhava para frente, para o caminho que levava a cidade, e sua filha não entendeu como pôde adivinhar seus sentimentos. Não respondeu, apenas voltou seu rosto para o pai, o interrogando com o olhar.

— Eu consigo perceber, e te entendo. Mas não é isso que Lórien iria querer. Ela pereceu lutando pelo que acredita, e eu sei que conseguiu salvar a vida de muitos homens antes disso. Agora ela está longe de nós, mas há coisas mais importantes. Além do mais, seu espírito ainda vive nos Salões Austrais, quem sabe ela não vem nos visitar?

Dìon olhou para a filha com um sorriso triste, que quebrou Ara por dentro. Ela relaxou todo seu corpo e começou a chorar novamente. Sabia que o pai tinha razão.

Eles pararam de caminhar.

— Nós vivemos muito, querida, mas não somos eternos, não nesta terra. No futuro encontraremos sua mãe de novo. Agora o que nos resta é fazer um bom trabalho por aqui, com o tempo que temos, e deixá-la orgulhosa.

Ara continuou a chorar, mas sorriu junto ao pai. Deixar sua mãe orgulhosa. Era algo muito melhor para pensar do que vingança. Era uma melhor maneira de seguir em frente.


2

Enquanto a floresta de Lannuaine lamentava, a cidade real de Cáhida, à um sol de cavalgada de distância, celebrava. O Rei fazia quarenta anos e um enorme banquete tinha sido organizado no salão principal do palácio. Era um espaço amplo, com o teto alto e sustentado por grandes colunas de mármore. Uma fileira de janelas se estendia em cada uma das laterais do salão e, aquela hora da tarde, a luz do sol iluminava-o por completo. Ainda assim, criados haviam acendido a maioria das tochas e candelabros, sabiam que o banquete duraria horas e não poderiam fazê-lo enquanto os nobres festejavam.

Além da longa mesa de madeira usual, duas outras haviam sido montadas só para a ocasião, cobertas por toalhas de linho branco, e repletas de garrafas de vinho e hidromel, além de pratos recheados de comida. Não faltavam porcos, tortas, batatas assadas, legumes. Os convidados se empanturravam, esquecendo-se de que em algum momento ainda seriam servidos os doces. Uma banda tocava em um palco atrás das mesas, enquanto um grupo de dançarinos se apresentava. Muitos dos convidados cantavam, balançando seus canecos, se abraçando. Representantes de todas as principais raças estavam presentes, celebrando juntos, em considerável harmonia. O salão estava lotado e quase não havia espaço para andar entre as mesas e repor a bebida.

O Rei sentava na cabeceira da mesa central, com seus familiares ao seu redor. Já havia tomado uma ânfora de vinho inteira sozinho, não parava de rir. Chamava-se Lázaro, seus cabelos e barba já estavam grisalhos, mas seu sorriso mostrava a alma de jovem. Usava roupas discretas para um homem em sua posição, camisa branca e a casaca azul marinho com detalhes discretos em dourado. Nem mesmo usava sua coroa, que já estava apoiada sobre a mesa fazia três taças de vinho. A Rainha, Valéria, revirava os olhos, fingindo desaprovar o comportamento do marido, mas em realidade se divertia. Seu vestido era mais requintado, vermelho e com muitos bordados, e a tiara não saía de seus longos cabelos negros. Os dois filhos, tão pequenos que ainda tinham a mesma altura dos halflings sentados logo ao lado, conversavam um com o outro sem dar a menor atenção ao que acontecia à sua volta. Discutiam, como sempre, alguma questão sobre o reino, alguma decisão que o pai deveria tomar, ou já havia tomado. Agiam como se já conhecessem todos os segredos necessários para se tornar um bom governante, e costumavam discordar. Passavam horas tentando convencer um ao outro de que estavam certos. Leonel, o mais jovem, pensava bastante diferente do Rei e copiava as falas do tio, enquanto Raquel, a mais velha, tinha uma visão mais aproximada a do pai, apesar de criticá-lo em diversas ocasiões.

— Temos acordos sobre isso, Leonel, cada raça tem um costume diferente, e temos que respeitar isso. Graças a deus! Não quero ser impedida de seguir nossas tradições porque anões discordam delas, ou algo do tipo. — Raquel dizia, suspirando. Em tratando-se de seu irmão, perdia a paciência com facilidade. Com os braços cruzados, balançava as pernas que não alcançavam o chão e sua irritação era quase cômica.

— Mas nada disso vai acontecer com a gente! Os homens que governam, esqueceu? — o comentário de Leonel fez a irmã arregalar os olhos e levar a mão até a testa.

— Por enquanto, né? E isso por que os outros nos aceitaram, por que nossos antepassados garantiram que cada raça teria direito de viver em paz, sem um bando de humanos enxeridos falando o que eles podem ou não fazer. Não governamos para nós, Leonel, governamos para todos.

Poucos dias antes, representantes de um vilarejo de halflings haviam acusado uma cidade próxima de maltratar suas crianças. Rocha Verde, a denunciada, era habitada em sua maioria por anões, que tinham forte tradição militar e consideravam a preparação de seus jovens para uma eventual batalha de extrema importância. Parte deste treinamento consistia em abandoná-los na floresta, sozinhos e sem qualquer equipamento, para que lutassem por sobrevivência. Os halflings, que nem mais sabiam o que guerra significava, muito menos como lutar, ficaram espantados com aquilo. Haviam descoberto uma anã, pega tentando furtar uma ovelha, e haviam tentado alimentá-la. Até ofereceram uma cama, mas ela voltara correndo para a floresta, alegando que aquilo seria trapaça. A partir daí tomaram conhecimento da tradição anã. Era o que os irmãos discutiam, três halflings tinham vindo conversar com o Rei, em nome de todo seu vilarejo, pedindo que ele impedisse que estes treinamentos continuassem, pelo bem dos jovens anões.

O Rei havia recusado o pedido, dizendo que não condenaria os anões a mudar uma tradição que já tinha séculos de idade. Leonel estava possesso, achava um absurdo mandar jovens despreparados para o meio de uma floresta contendo diversas ameaças, tanto de animais quanto de criaturas ou magias misteriosas. Insistia que o pai deveria ao menos impedir os anões de continuarem com aquela maluquice, se não fosse puni-los.

Raquel estava envergonhada, vários anões estavam a poucos assentos de distância, temia que pudessem escutar as opiniões que seu irmão dividia sem o menor pudor. Achava que Leonel estava prestes a ofender alguém, assim como acreditava que o garoto abominava tanto a ideia do ritual de passagem apenas por medo de ser obrigado a passar por algo similar.

— Não é possível que você concorde. Quando você tiver filhos vou largá-los na mata por dias para ver o que você acha. Ou largar você mesma! As anãs também fazem parte do ritual, não é? — ele disse.

— Essa não é a questão, Leonel. Meus filhos não vão ser anões, bem, com certeza não por completo. Toda a criação é diferente, as habilidades naturais são diferentes. Eles têm mais força, mais resistência e sobreviver em uma floresta é uma tarefa muito mais simples do que parece. Para eles, isso é uma verdade. Sem contar que é algo que fazem há anos e até hoje não ocorreu nenhuma tragédia. Quem somos nós para dizer que eles estão errados? Que somos criados a leite com pêra, nesse palácio cheio de serviçais? Onde a filha do Rei nem mesmo sabe empunhar uma espada. Quem são os halflings, que consideram música e comida muito mais importante do que a habilidade para a luta? Mande um anão passar o dia inteiro na cozinha marinando e assando um carneiro e ele vai te acusar de torturá-lo por meio do tédio, enquanto um halfling ficaria satisfeito com um trabalho desses.

Leonel bufou, preferiu mordiscar uma costela de porco por um longo momento antes de responder, e abriu espaço para o pai interromper a conversa.

— Já chega, já chega! — o Rei falou, abanando a mão. — Vocês estão parecendo Zaras, só sabem falar de coisa séria! Hoje é dia de comemorar e se distrair! — ele ergueu o copo e propôs um brinde, que todos acompanharam. Raquel abriu um largo sorriso para o pai, Leonel apenas revirou os olhos.

Zaras, o último familiar à mesa e irmão do Rei, fez uma pequena careta após o comentário, mas não disse nada. De fato, não era homem de falar besteiras e jogar conversa fora, assistir ao debate de seus sobrinhos havia sido a parte mais divertida de seu dia.

— Eu sei que o tio concordaria comigo. — Leonel murmurou, tentando não ser ouvido pelo pai. Zaras abriu um pequeno sorriso, confirmando, e levantou seu copo em cumprimento ao sobrinho.

A festa continuou, Lázaro fez questão de impedir que seus familiares continuassem conversando sobre política. O Rei era o menos interessado de todos em seu trabalho, más línguas diziam que ele desejava não ter nascido o primogênito. A última coisa que queria em seu aniversário era uma conversa daquelas. Lázaro se levantou, pedindo licença à família, e passou a tagarelar com seus convidados, dando um pouco de atenção a cada um. Estavam presentes os principais representantes de quase todas as cidades, vilas e vilarejos do reino. Faltavam os elfos de Lannuaine, que estavam ocupados com o velório, mas foram poucos os que notaram sua falta. Eram um povo muito isolado.

A noite chegou e a almoço seguiu com um clima agradável. Os nobres representantes das raças, no geral, gostavam do Rei e de sua família, e a convivência de todos era harmônica. 

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