A mesa estava posta com uma toalha vermelha de bolinhas brancas e um painel com as orelhas da Minnie atrás. Tudo era temático, desde os balões pretos, vermelhos e brancos até os cookies com a cabeça da Minnie e os espetinhos com duas metades de morango e um blueberry no meio formando um laço. A aniversariante também entrou no clima, com uma saia de tutu vermelho, camiseta preta e um arco da Minnie comprado na Disney, exatamente igual ao que a Allison ganhou da Loly.
-Dida! - Ela entrou correndo.
-Parabéns, meu amor! - Malu abriu os braços. - Como você é uma Minnie bonita, Amelia!
Todos em volta desejaram feliz aniversário para a menina. Millie escalou o colo da madrinha e se sentou sobre suas pernas enquanto vários adultos em volta prendiam a respiração e Baby estava pronta para arrancá-la de lá.
-Deixa – Malu falou. - Não incomoda nem um pouco.
-Quero andar no carro da dida! - Millie falou, se referindo à cadeira de rodas.
-Tá, mas devagar, pelo amor de Deus – Malu pediu, enquanto colocava um dos braços ao redor da cintura da neta/afilhada para mantê-la segura e, com o outro, operava a cadeira.
Assim que elas se afastaram, Baby apresentou:
-Grace, esse é Tom, meu padrinho, e essa é a Ella, a namorada dele.
-Muito prazer, você é o pai do Tommy, certo? Nós fomos ao teatro essa semana – Grace falou apertando a mão dele, um sorriso cheio de dentes.
-Foi? Viram a peça da Malu?
-A peça da madrinha não está mais passando – Baby comentou. - Era boa pra cacete, você ia gostar, Grace.
-Sensacional. Eu estava nela – Tom sorriu sem modéstia.
-A Malu tem uma peça, é? Me conta isso! - Grace pediu e Zach explicou, falou que Malu era uma grande guitarrista e seu primeiro álbum havia virado um musical.
A casa foi enchendo de gente, de gritos de crianças e de conversas de adultos. Havia várias mesas espalhadas pelo quintal, todas com as cores da Minnie. Sentados a uma delas, Tommy, Louis (que compareceu), Ella, Mia e Dave.
-Olhem as fotos – Ella dizia, mostrando o tablet. - Eu não sou parecida com essa Mary Christabel?
Os três se aproximaram para ver melhor. Apenas Dave continuou na mesma posição, agindo como se não estivesse no grupo.
-Eu não entendo uma coisa – Louis disse. - Por que você não escreve para ela e pergunta?
-É uma coisa difícil de fazer. Dizer "Oi, sou a menina que você abandonou com três anos. Quer conversar comigo?"
-Mas agora ela deve saber quem você é, né? - Louis insistiu. - Aparece uma mulher do nada solicitando amizade, que por um acaso tem o mesmo nome e sobrenome da filha dela. É muita coincidência.
Todos os ocupantes da mesa ficaram mudos, pois não tinham se dado conta disso. Menos Dave, que já estava calado mesmo.
-Ok, é um bom ponto. Vou me reapresentar.
Ficaram todos olhando para ela, em expectativa, até que a rara voz do Dave soou:
-Não agora.
-Por que não, maridão?
-Maridão? - Louis levantou uma sobrancelha.
-Tá vendo? - Dave comentou, impaciente. - O cara agora acha que eu sou seu marido.
-Eu não, só acho bizarro.
Dave suspirou e explicou, daquele jeito dele, de quem se mantinha calmo com muito esforço:
-Você não vai querer conversar com a mãe que te abandonou na infância em uma festa, com um monte de orelhas de Minnie em volta.
-Nossa... - Ella falou, perplexa. - Você é muito inteligente, maridão.
Ele encolheu os ombros sem modéstia e Mia resolveu mudar de assunto:
-E como foi a peça, Tommy? Com a irmã do Zach?
-Isso, o seu encontro – Louis revirou os olhos, fingindo estar com bem mais antipatia do que sentia na verdade.
-Puta merda, que mulher pesada. Ela não é ruim.
-Andam dizendo por aí que ela é do mal – Ella interrompeu.
-Não, mas não acho que seja. Ela tem a energia pesada, é diferente. Eu não entendo como aquela loira ainda não alugou um apartamento pequeno pra ela.
-O que tem eu? - Baby, que passava por perto comendo um pedaço de melancia em forma de cabeça de Minnie, perguntou.
-Arruma um apartamento pra Grace, loira! Aquilo não é uma cunhada, é um encosto!
-Eu sei! Isso porque vocês não escutam o martelo dela! Mas prometi para o Zach deixar que ela fique até o fim do mês, então vou ter de deixá-la ficar até o fim do mês. E seus contatos no mundo da arte, Tommy?
-Não deram certo. As esculturas dela são feias demais.
-São horríveis!
-Calma – Ella falou. - Pelo o que eu estou vendo, a mulher é espaçosa, tem um cachorro enorme que mancha o sofá, tem a energia fodida e é incompetente. Tem alguma coisa que salve?
-Ela é bonitinha – Mia tentou contribuir.
-E me odeia – Baby falou.
-Anna, estabeleça as suas regras – Dave falou.
-Gente, o homem está eloquente! - Ella riu. - Daqui a pouco abre uma seção de conselhos!
Dave lhe lançou um olhar gélido e voltou a atenção para a irmã.
-Você nunca levou desaforo para casa, não faz sentido que leve agora.
-Ela é irmã da porra do Zach e estou tentando ser menos autoritária - Baby explicou.
-E aí deixa os outros montarem em cima, loira? - Tommy perguntou.
-Olha o respeito, Tommy – Baby resmungou, sabendo que sim, estava deixando que montassem em cima dela.
O que, diga-se de passagem, era algo inédito.
O problema era que finalmente havia descoberto algo precioso demais para estragar, que era a sua família com Zach. E, pensava, todo mundo tinha um parente chato do qual fugir.
Ela possuía o tio Leo, irmão do seu pai, que, toda vez que vinha a Londres, a família inteira saía inventando uma viagem para não o receber.
A família da madrinha não tinha ninguém, mas, segundo ela, era só porque a insuportável da sua mãe já havia morrido.
Uma vez, conversando com Oyekunle, descobriu que Kate e seu irmão Adiel viviam um relacionamento de ódio e ódio desde que o mundo era mundo.
Tommy tinha uma tia Becky que era uma provação.
Ela e Zach tinham a Grace. Se fosse pensar bem, era até legal tê-la. Aproximava seu pequeno clã das outras famílias e mostrava que eles eram normais e estavam fazendo tudo certo.
Já Tom andava pelo jardim com a incômoda sensação que era observado, o que era estranho, pois estava entre seus amigos e sua família. Quando passou pela árvore que tinha aquela casa horrorosa que seus filhos pintaram há mais de vinte anos, tudo fez sentido ao ouvir uma voz vinda da folhagem:
-Papai, queria falar com você.
-Porra, Lily! - Ele deu um pulo. - Que susto! Que mania que você tem de trepar nesses galhos.
Ela riu, admitindo. Adorava mesmo subir em árvores, mesmo que tivesse vinte e quatro anos, estivesse quase se casando e uma pequena voz na sua consciência dissesse que devia se comportar como uma mocinha. Mas outra voz, mais alta, se perguntava o que era uma mocinha, afinal de contas, e que o importante era ser feliz.
-Você consegue subir aqui? - Ela perguntou.
-Essa árvore tem meio metro, Lil. É quase uma muda – Ele subiu sem muito esforço e se sentou ao lado dela. - E aí? O que a gente está fazendo aqui?
-A vista é panorâmica - Lily ia dizer que a única vista melhor que aquela era a do terraço do loft, mas não queria entregar o esconderijo para a geração anterior.
-Então a gente subiu aqui para ver a paisagem? - Tom perguntou.
Ele se lembrava muito bem quando havia comprado aquela casa. A Malu era uma mulher de cismas. Em um dado momento, cismou que um apartamento não era um lar e que eles precisavam de uma casa. Ele ruminou e avaliou a ideia durante meses, até que resolveu dá-la para ela em seu aniversário. Havia sido uma decisão difícil, mas, depois de concretizada, não podia ter sido melhor. Era um lugar lindo, mesmo que a Malu o houvesse transformado em um Frankenstein depois que se separaram, com anexos, puxadinhos e aquela casa malfeita na árvore. Seus filhos haviam crescido ali, e ele não conseguia deixar de pensar que eles foram imensamente mais felizes do que seriam no seu apartamento na cidade.
-Eu queria conversar, lembra?
-Lembro, não estou tão velho assim. E sobre o que é essa conversa?
-É sobre o meu casamento.
A primeira coisa que Tom pensou foi que Mateus tinha aprontado alguma coisa, aí se lembrou que não podia mais julgar o moleq... genro.
-Você é o meu pai.
-Sou – Ele confirmou, pensando por que diabos estavam patinando no óbvio.
-E um pai bem incrível.
-Verdade – Ele deu um meio-sorriso.
-Mas sabe, papai, você não me criou sozinho, né? O que é normal – Ela disse, cheia de dedos. - Mas desde bem pequenininha até os dezessete anos eu morei com a mamãe e o tio Eddie e fui criada pelos três.
Tom sabia exatamente aonde aquela conversa levaria e, sinceramente, não sabia como se sentia a respeito. Porque, no fundo, ela estava certa. Queria ter sido mais presente na infância da Lily, sim, mas ele havia sido o pai de final de semana. Resolvera conflitos, se divertira, tivera conversas sérias, mas apenas de sexta a domingo e quinzenalmente. Quem dera as suas mamadeiras, trocara as suas fraldas, a colocara para dormir e a ensinara a andar de bicicleta havia sido o Eddie... Não, espera, fora ele que ensinara Lily a andar de bicicleta. Nada disso acontecera por escolha dele, mas havia sido assim que a vida caminhara e que moldara a forma da Lily ver a sua família.
-Eu gostaria que vocês dois me levassem ao altar, papai. Você e o tio Eddie – Lily falou, decidida.
Tom se sentiu murchar como um balão.
-Putz, Lily, que alívio!
-O que você achou que eu fosse pedir?
-Que o Eddie te levasse no meu lugar!
-Não, claro que não! – Ela soltou uma gargalhada. – Quero que vocês dois me levem! Tá que ninguém vai conseguir me enxergar no meio, mas... E então?
-Claro, Lil. Fale com ele. Ele vai ficar feliz. É só aquele mané não começar a chorar porque ele tem dessas merdas.
-Oba! - Lily colocou os braços em volta do seu pescoço e deu um beijo no seu rosto.
-Ei, você vai nos derrubar dessa árvore!
-Relaxa, papai! É quase uma muda! – Ela piscou e desceu do galho.
Lily correu por entre as pessoas até encontrar o tio Eddie, que conversava com Alex e tio Mick em uma roda.
-Dá licença, gente. Tio Eddie, precisava falar com você.
-Lily, eu também preciso falar com você! – Alex interrompeu. – Quem eu vou ser no seu casamento?
-Hummm... Convidada – Lily respondeu, confusa.
-Só isso?
-Convidada de honra? – Lily tentou, com um sorriso sem-graça.
-Porque eu ouvi dizer, Lily, que a Kate vai ser uma das madrinhas. É verdade? É verdade isso?
-É que ela é minha madrinha de batismo, Alex.
-Mas eu não posso ser outra coisa? Não posso ser daminha? Jogar flores?
-Aí são a Mandie, a Dawn e a Millie, e você é... adulta.
-Relaxa, Lil. Leve o Eddie. Deixa que eu lido com as alucinações – Tio Mick falou.
-Tá... – Lily falou, incerta, e ficou gritando para a Alex, enquanto se afastava puxando tio Eddie pela mão: - Mas você é a convidada mais importante, Alex! A VIP! A incrivelmente especial!
-E eu sou o quê, já que fui até chamado à parte – Tio Eddie riu, quando chegaram a um canto mais sossegado.
-Tio Eddie, então... Sabe como você me viu crescer literalmente, né? Você é meu segundo pai, só não diz isso pro papai, embora no fundo ele saiba.
-Sei – Tio Eddie sorriu, já um pouco emocionado. Só faltava o pai dela estar certo e ele começar a chorar mesmo.
-Você me levaria ao altar junto com o papai?
Tio Eddie ficou tão perplexo que até demorou a responder:
-Você está falando sério, Lil?
-Estou. É difícil lembrar de um momento do meu crescimento que você não estivesse junto. Menos me ensinar a andar de bicicleta. Mas você compensou me ensinando a tocar baixo, e acho que fez um trabalho incrível porque, modéstia à parte, eu sou uma baixista bem melhor que você.
-Um milhão de vezes melhor. Vem cá - Ele a abraçou e disse, depois de lhe dar um beijo no topo da cabeça. – Eu fico muito honrado, Lil. De verdade.
-Por que a Lily está andando por aí emocionando as pessoas? - Malu perguntou para si mesma, com o cenho franzido.
Grace, que estava por perto, acabou respondendo a pergunta:
-Não é ela que vai se casar? Deve ser relacionado a isso, não? Todo mundo fica muito emocionado com casamentos. Aliás, Malu, preciso elogiar a sua festa. Está maravilhosa.
-Haha se você for elogiar o quintal, aí eu aceito. Foi toda a minha contribuição. Foi uma empresa de festas que a Baby, o Zach e o Victor contrataram que fez tudo.
-Os três, é? - Ela perguntou, interessada.
-Sim. A princípio, quem estava vendo era a Baby e o Zach, mas aí o Victor fez questão de contribuir, o que é muito justo, já que ele é o pai. Vem, vamos cantar os parabéns!
Malu colocou a cadeira para andar na direção da mesa, com as pessoas abrindo caminho para deixá-la passar. Zach, Victor e Baby com Millie no colo ficaram na frente do bolo. Todos cantaram parabéns, com Millie berrando a música a plenos pulmões e quase ensurdecendo os três pais, e então o fotógrafo foi tirar as fotos.
-Agora com os avós.
Malu, Tom, Mick e Alex posaram com Millie.
-Agora, os pais!
Houve um certo constrangimento envolvido. Primeiro, apenas Baby e Victor se colocaram na frente da câmera, e então eles perceberam que Zach não os acompanhava e o chamaram. Tudo muito civilizado.
Não para Grace.
Se era verdade que muito naquele grupo de pessoas não era convencional, para uma pessoa tradicional como a Grace era como ser largada sozinha em um planeta estranho. Estava acostumada às inúmeras tatuagens do seu irmão e a viver no mundo da arte. Mas, no que dizia respeito a famílias, algumas coisas iam longe demais.
No dia seguinte, enquanto seu irmão tentava trabalhar e ela mesma dava um tempo do seu martelo devido a questões mais urgentes, como colocar suas inquietações em palavras, ela aproveitou para dar a sua impressão sobre a festa.
-Gente estranha, Zach! Vai me dizer que não são estranhos?
-Não são estranhos – Zach respondeu, girando para um lado e para outro na cadeira da escrivaninha.
-Ah, por favor, e a Malu e os seus dois maridos?
Zach deu uma gargalhada:
-Ei, já ouviu falar em divórcio? Foi isso que aconteceu com eles. A Malu tem um único marido, e o ex dela tem uma namorada.
-Mas aquela dinâmica, Zach. É uma dinâmica toda errada! E o mesmo vai acontecer com você, a Baby e o Victor.
-O que vai acontecer com a gente, Grace? Vamos virar três adultos que se dão bem?
-Eu só tenho medo de que você acabe sendo jogado para escanteio, só isso. Você é o pai da Millie na prática, mas não tem papel nenhum comprovando isso. Ela te chama de papai, mas ela é muito novinha. A tendência é o laço dela com o Victor ir se estreitando conforme ela for crescendo. Você viu isso ontem, quando o fotógrafo quis fazer a foto dos pais. Você age como pai, mas não é o pai.
Zach ficou mudo. Sua irmã, com quem sempre se deu muito bem enquanto moravam em cidades diferentes, testava a sua paciência o tempo inteiro desde que passaram a conviver em um mesmo apartamento. Mas algo no que ela dizia fez sentido e tocou a nota certa. Era mais um incômodo do que algo que ele tinha certeza, como passar a língua em um dente dolorido.
E o pior é que não havia nada que pudesse fazer a respeito.