Capítulo 31

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-Eu posso ver os seus filhos? – Ella perguntou.

Nancy tinha enormes olhos castanhos. Muito, muito grandes. E extremamente bonitos. Eles a lembravam animais silvestres em um daqueles desenhos que o Tom adorava. Ella havia percebido que, nos desenhos que Tom assistia, os vilões tinham as írises pequenas e os animais bonzinhos tinham olhos que pareciam pires. Nancy era assim. Dava uma sensação de inocência.

-Mostra, Nancy – Disse a cuidadora. – Ella é filha do Joel, aquele senhor aqui ao lado. Ela só quer ver como seus filhos são bonitos.

-Não toca – Nancy falou.

-Não vou tocar. Prometo.

Nancy afastou a cortina que cobria a estante da sala e havia um mundo em miniatura ali atrás. Ella não entendia nada de arte, portanto não podia dizer nada além de que as figuras eram pequenas e delicadas e que a comoviam de alguma forma, mas diziam que esse era o papel da arte. Sua mão se esticou instintivamente em direção ao busto de uma mulher grávida que lhe pareceu contraditoriamente melancólica, mas lembrou-se a tempo da promessa e não a tocou.

-Que lindas, Nancy. Parabéns, são muito bonitas.

Nancy fechou a cortina rapidamente, como se Ella fosse roubar as estatuetas, e a cuidadora sorriu sem graça:

-Desculpe, ela está em um dia de péssimo humor. Vamos dar a nossa voltinha, Nancy? De repente você precisa é de vitamina D.

-Agora não – Nancy se sentou em frente ao seu equipamento para trabalhar em novas esculturas.

Ella se despediu e saiu, pois tinha pouco tempo para preparar o seu pai. Olhou no relógio, ainda no corredor, e possuía exatamente cinco minutos.

-Pai, eu convidei uma pessoa – Ela disse, quando entrou no apartamento dele e o viu, de cueca samba-canção, regata e meia, sentado no sofá, a calefação no máximo. Imediatamente ela tirou o casaco, mas se olhou no espelhinho da bolsa e viu que estava completamente vermelha por causa do calor.

-O marinheiro?

-Não, outra pessoa. A Robyn já vai passar aqui.

-Quem é Robyn?

-A filha da minha mãe. Ela gostaria de te conhecer, se você não se importar. Se tiver problema, eu aviso e a gente marca outro dia.

-Não tem problema – Ele falou, sem se mexer.

-Não é melhor você vestir uma roupa?

-Eu estou vestido.

-Com roupas de baixo, né, pai? Que tal se vestir com roupas de cima também?

Joel deu de ombros e Ella suspirou. Lidar com Joel era uma guerra diária e, pelo visto, a atual batalha era aquela. Sem falar nada, ela mudou a temperatura para alguns graus mais frio.

-Pai, você vai aparecer de cueca na frente de uma menina de vinte e dois anos?

-O que uma menina de vinte e dois anos faria aqui?

-Ela quer te conhecer.

-Se quer me conhecer, não vai ficar julgando. Não julgue um livro pela capa, Ella. Quem vê cara não vê coração. Cavalo dado não se olha os dentes.

-Ok, já foram ditados demais por um dia – Ella olhou o relógio mais uma vez. – Vou encontrar a Robyn na recepção e a trago aqui. Já volto.

Dizendo para si mesma que já havia passado por constrangimentos maiores na vida que seu pai de cueca e meia na frente de uma visita, Ella desceu até o térreo. Robyn estava inexplicavelmente nervosa com o encontro com Joel, portanto ela achou que seria mais delicado encontrar a irmã lá embaixo.

Quando A Vida Acontece - Vol 3Where stories live. Discover now