Capítulo 30

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Eram três horas em ponto. Ella mexeu na bolsa, tirou um porta comprimidos e, deste, uma pequena pílula branca. Fechou a mão sobre ela e se levantou da cadeira em frente à poltrona horrorosa do pai.

-Está doente? – Joel perguntou.

-Estou com infecção urinária de novo.

-Isso é perigoso, Ella! Isso mata! O Brandon do 205 morreu disso.

Ella pensou em lhe dizer que o Brandon do 205 tinha uns cento e três anos, mas resolveu deixar para lá. Não queria chamar a atenção do pai para a idade média dos vizinhos para o caso de ele arrumar algo novo para implicar. Ella foi até a cozinha pegar água e engoliu o comprimido.

-Eu já tive antes, pai. Não é nada de mais, só tenho que ficar tomando antibiótico, o que é um saco, mas daqui a pouco vou estar nova.

-É que você faz coisas demais.

Ella olhou para ele, surpresa por ele se mostrar observador. Joel continuou.

-Você vive estressada, vive apressada, a imunidade baixa. Aí pega tudo. Bactéria, vírus, fungo, tudo.

-Caramba, pai, pode ser isso mesmo – Ella disse, fascinada. – Eu estou fazendo curso...

-Ackers não são bons com livros.

-Tentando levantar aquela agência no muque...

-Que agência?

-A agência de modelos que eu abri com uma amiga minha.

-Aquela que é um graveto como você?

-Essa.

-Ela não te ajuda, não?

-Não é assim, pai – Ella falou, incomodada. – Ninguém ajuda ninguém, nós complementamos uma à outra. Somos uma dupla, entende? Como ela é mais simpática, ela conversa com os clientes e eu fico nos bastidores.

-Tá, me conta isso com uma cerveja. Mas você não pode beber tomando remédio, pode?

-Eu tomo um suco.

A cerveja era sem álcool, mas Ella também queria guardar aquele segredo do pai.

Os dois saíram para o corredor do andar e uma porta estava aberta. Uma mulher de roupas brancas dizia para alguém dentro do apartamento:

-Só uma voltinha, vamos. A senhora vai ver como nada de ruim vai acontecer.

-Nada de ruim? Cada vez que você diz isso, um filho meu some!

Ella ficou curiosa e foi até lá.

-Posso ajudar? – Perguntou.

-Minha filha é muito intrometida – Joel explicou. – Infecção urinária não mata?

A mulher se apresentou como acompanhante da Nancy e disse que algumas vezes, se infecção urinária não fosse tratada, matava, sim. Também falou que estava tentando convencer a Nancy a dar uma volta, que ficar trancada o tempo inteiro não era saudável.

-Nancy – Ella disse. – Conte os seus filhos antes de sair e depois que voltar. Tenho certeza de que não vai sumir nenhum.

-Já tentei de tudo – A acompanhante falou.

-Vamos beber cerveja ou não vamos? – Joel insistiu.

-Já vou, pai.

-Então eu vou indo na frente – Ele deu as costas e se dirigiu ao elevador, nem um pouco tocado com o sumiço dos filhos da Nancy.

-São bonecas? – Ella perguntou.

-Não, menina, são esculturas de gesso. Pequenas, mas imagino que valham uma fortuna. A Nancy era uma artista muito famosa quando era mais jovem, aí teve um colapso mental e sumiu da mídia. Ela continua fazendo as esculturas e as chama de filhos, mas não as expõe mais. Aliás, elas nem saem do quarto. Acho que ninguém além de mim as viu. Agora olha o problema. Se elas estão sumindo mesmo, sobre quem vai cair a culpa?

Quando A Vida Acontece - Vol 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora