Capítulo 37

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Tom, robótico, entrou na cozinha. Acendeu um cigarro e abriu a porta do armário. Pegou a maior caneca que encontrou e segurou o bule. Virou. Vazio.

Do jeito que ele acordava com os neurônios incomunicáveis, ficou um bom tempo olhando para o bule, sem entender exatamente o que se passava. Tanto tempo, aliás, que Ella ficou com dó e, tentando não rir, resolveu esclarecer:

-Eu tive de jogar o café fora.

Tom olhou para ela, aos poucos percebendo que não tomaria café naquela manhã. Tirou o cigarro da boca e perguntou, a voz rouca de sono:

-Por quê?

-Estava estragado.

Tom tinha a impressão de que havia acordado dentro de uma vertigem. Isso é, se houvesse despertado de fato.

-Mas café estraga?

-Claro, grandão, tudo estraga. Estou bebendo chá no lugar do café. Quer que eu faça um pra você?

O dia que Tom beberia chá seria o mesmo em que ele borrifaria o ar com perfume e andaria pelas gotinhas. Por incrível que pareça, aquele pensamento começou a trazer um pouco de realidade à manhã.

-Você olhou a validade?

-Olhei – Ella disse, calma, plácida, sentada em uma banqueta da ilha, bebericando sua xícara de chá como se estivesse em uma casa com café. – Estava dentro da validade, mas o cheiro era horrível, forte demais. Sério, estava nojento. Aí eu joguei fora.

Agora, sim, Tom estava com os dois pés plantados no mundo real. Sem saber direito como dizer, ele começou:

-Então, Ella...

-Tem alguém aí? Ei! Que porcaria de lugar é esse? Tem alguém aí?

-Ai, caralho – Ella largou a xícara em cima da ilha e saiu correndo. – Estamos aqui, pai! Está tudo bem! A gente dormiu no apartamento do Tom!

-Eu quero a minha casa, sei lá quem é Tom?

-O marinheiro, pai!

Enquanto ouvia as vozes distantes no apartamento, Tom pensou que precisava falar com Ella o mais rápido possível, mas decididamente não naquele exato momento. Apagou o seu cigarro para o caso do Joel também ter esquecido que havia parado de fumar. Talvez fosse uma boa ideia para ele também. Se havia topado se tornar pai com sessenta anos na cara, era melhor que fizesse a sua parte para não morrer de infarto aos sessenta e dois, mesmo que isso envolvesse largar o cigarro e comer as comidas da Angie. Menos espinafre. Hum... Talvez o espinafre, se estivesse escondido dentro de um hambúrguer.

-Viu, pai? O marinheiro – Ella apontou Tom para o Joel. Ele estava de cueca e regata e o cabelo cheio de marcas de travesseiro, em completa oposição a Ella, que parecia uma escultura grega em sua camisola de seda azul. Era bem difícil de acreditar que ambos haviam saído da mesma família.

-E aí, Joel? Quer um chá? O café estragou.

Joel olhou em volta, confuso.

-Você mora aqui, marinheiro?

-Isso.

-Sozinho?

-É.

-Cacete, você é rico pra caralho. Me arruma um chá.

Ella fez mais que isso e colocou torradas e manteiga sobre a ilha, sabendo que seu pai não comia quase nada de manhã. Ela serviu uma xícara de chá e colocou na frente dele.

-Feliz Natal, pai.

-Já é Natal?

-Já?

-E cadê o Freddie e o Will?

Quando A Vida Acontece - Vol 3Where stories live. Discover now