Capítulo 56

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— Bel! De onde cê tira esses conselhos?

— Desde que nós três era pequeno que eu tento juntar ocês. Falo que um gosta do outro, mas num tem jeito, cês sempre se separa.

— Sua danada! — Dei um empurrão nela — Cê mentia pra nós?

— Uai, alguém tinha que ser cupido nessa história. — Ela riu — E nem foi difícil, cês sempre gostaram um do outro. Mas, meu Deus, como é difícil manter ocês junto. 

Fiquei quieta e pensativa. O barulho da conversa das demais meninas ao nosso redor abafava o som das nossas vozes. De repente, senti Bel bater o ombro no meu.

— Vai, Catarina, vai lá na casa dele depois da festa e tenta acertar as coisa. Aproveita que cês tão perto. Ele mora logo ali em cima. Em dez minutin cê vai tá lá.

— Ele não ia querer.

— Cê quer que eu te dê um soco pra largar de ser tapada? O Nico vai colocar um tapete vermelho pr'ocê passar, criatura!

— Num acho. Eu sinto que ele tenta me evitar. Me tratou bem hoje, mas quando cheguei naquele dia na quadra me tratou muito estranho, tinha hora que até me tratava mal. Perguntou "Cê acha que eu quero alguma coisa c'ocê?". Tem hora que ele desvia o rosto pra não me olhar e quando eu abracei ele hoje, senti que queria me afastar.

— Mas afastou?

— Não. Ele me abraçou de volta.

— Cê não vê que ele tá com medo?

— De quê?

— De te receber no coração dele e ocê ir embora de novo.

— Como cê sabe disso?

Bel mordeu a boca, como se estivesse se dado conta de ter cometido um erro.

— É que o Nico e eu conversamos.

Fiquei parada e olhando para ela sem saber o que dizer. 

— Não conta pra ele, Catarina. Por favor!

— Não, pode deixar, não vou contar. Mas porque esse receio de mim?

— Os primeiros anos sem ocê na cidade foi difícil demais pro Nico. Ele fingia que cê nem existia mais, que nunca tinha existido, ficou muito mal. Até brigava comigo se eu falasse d'ocê. Acho que a cabeça dele ficou muito doida quando te encontrou esse mês, ainda mais toda bonitona. — Bel sorriu — Ele já tava mal pela traição que sofreu, entende? Te ver mexeu mais ainda com as emoções dele. E a verdade que eu sei é que o Nico nunca deixou de gostar d'ocê, Catarina, mas tá se segurando pra não admitir porque tem medo de perder mais uma vez. Se ainda tem vontade de ficar com ele, a hora é essa. Diz com todas as letras que quer ficar com ele. Se deixar passar essa chance, acho que vai ser difícil ter outra.

Fiquei calada. Havia um nó em minha garganta formado de um medo gigantesco de feri-lo outra vez. Ele tinha medo de que eu fosse embora e a verdade é que eu iria logo. Só tinha mais alguns dias ali. Isso não saía da minha cabeça.

Passei toda a noite pensando, mas ao meu redor a festa ficava cada vez mais animada no terreirão. Bel e eu ficamos andando ao redor, ajudando no que era possível e conversando sobre tudo que aparecia em nossa mente. Enquanto isso, as crianças corriam de um lado e outro e suas mães gritavam com elas para que não sujassem a roupa de festa. Era um desfile de figurinos, aliás. Algumas tias evangélicas usavam saias longas e retas, com boleros para não mostrar os ombros, mas minhas primas mais novas abusavam de calças justas e vestidos curtos. Os rapazes solteiros ficavam isolados nos cantos, conversando baixo e olhando para tudo pelo canto do olho. Muita gente iria se pegar naqueles cantos escuros ainda.

Bem Me QuerOù les histoires vivent. Découvrez maintenant