Capítulo 46

2.9K 566 640
                                    

Estávamos em julho quando finalmente pude visitar o interior de Minas Gerais. Eram as férias da faculdade de Gabi, mas ela ainda tinha outros compromissos e eu também, então foi uma visita bem rápida, de apenas cinco dias. Não era o suficiente para visitar todos os lugares e pessoas, mas pelo menos veria meu pai e meu irmão.

— Que o Mosquitinho não me odeie. Que não me odeie. — Eu cruzava os dedos enquanto o carro se aproximava da entrada da cidade. Temia que ele estivesse com raiva de mim por ter ido embora de forma tão repentina.

Há oito meses que não o via e a saudade gritava dentro de mim. Estava ansiosa para dar a ele e ao meu pai os presentes que havia comprado, ver se estavam mesmo bem e contar como era a vida na cidade. Não queria ver minha mãe, mesmo que sentisse que deveria, pois o tempo era curto e minha vontade maior era de ficar com Jaime.

— Criança não é rancorosa como nós, os adultos. — Gabi dizia enquanto fazia o Tempra virar para à direita, chegando à rodovia esburacada que era a entrada da minha cidadezinha — E já faz tanto tempo, Cat. Seu pai também tem conversado com seu irmão e explicado as coisas. Jaime deve estar bem.

— Tomara. — Segui com um nó na garganta, de um nervosismo que só crescia.

Só pensei em meu irmão o tempo todo enquanto Gabi e eu vínhamos de carro pelas rodovias. Dona Carmem ficou com a filha, pois não poderia interromper o tratamento, enquanto que Gio viajou para São Paulo para ver a família.

Quando chegamos à praça da matriz, foi a coisa mais estranha do mundo. Um misto de paz e angústia. Por sorte, fomos direto para a roça e não tive muito tempo para pensar em nada. O lugar em que meu pai e meu irmão moravam ficava muito longe da cidade. Era um ranchinho no alto de um morro, com uma porteira na frente, pastos ao redor e lavouras de café. Havia também um enorme açude em frente à casinha deles. Os dois criavam peixes e pescavam quase toda semana. Também plantavam mandioca, feijão e milho, além de criarem cabritinhos, patos, galinhas e porcos.

— Volto pra te buscar em alguns dias, tá? — Gabi me disse assim que desci do carro — Aproveita, meu bem, pois logo temos que voltar.

Abri a porteira, segurando minha mochila e uma mala de mão enquanto o carro partia, levantando poeira. Entrei devagar, com o coração disparado e as lágrimas prontas para sair. Fui aproveitando a sombra dos coqueiros naquela travessia, observando o céu tão bonito e limpo, que só existia no interior.

Logo avistei uma imagem adorável ao longe: um menininho de cabelos escuros, bermuda jeans, sem camisa e uma barriguinha saliente. Estava de cabeça baixa, debulhando milho para um monte de galinhas que estavam ao seu redor. Parecia conversar com elas, brigando para que não atropelassem umas às outras. Também havia um vira-lata caramelo ao seu lado, com a língua para fora, quase como se sorrisse. Uma gata preta e branca estava deitada ali por perto com três gatinhos filhotes mamando em suas tetas. As lágrimas embaçaram minha visão em poucos segundos.

— Mosquitinho! — Gritei — Ei, mosquitinho!

O cachorro ergueu as orelhas e latiu. Quase corri, com medo de ser atacada, mas não aconteceu nada. Era manso. Meu menininho olhou para os lados, procurando a voz que o chamava. Quando finalmente me viu, Jaime parou e ficou olhando, como se não acreditasse. Acenei para ele com ambas as mãos, largando a mala no chão. Depois de alguns segundos pasmo, ele deu um grito fino e desesperado, largou a espiga de milho no chão e veio correndo em minha direção.

"Ah, não acredito." Respirei aliviada.

Meu irmão veio subindo o caminho às pressas. Ele gritava "Tatá!" tão alto que meu coração quase saía pela boca. A imagem está quase em câmera lenta em minha memória. Lembro de seus dois bracinhos jogados para o alto, seu enorme sorriso banguela e seus cachinhos escuros saltitando nas orelhas. Apenas me abaixei, estendi os braços de volta e esperei aquele abraço com desesperada emoção.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now