Capítulo 32

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Uma das minhas lembranças mais marcantes é daquele aguardado passeio no circo. Aconteceu um sábado depois do meu último encontro com Nico na catequese.

Eu vou ver o palhacito. Ele é bonito. Tem cara de cabrito. — Jaime cantarolava, balançando a cabeça de um lado e outro enquanto eu o ajudava a se vestir.

Meu padrinho iria nos buscar em meia hora e já estávamos praticamente prontos. Como fazia muito frio naquele início de noite e não tínhamos bons agasalhos, colocamos três blusas finas de manga longa cada um. As mais velhas iam por baixo e as mais novas por cima, para disfarçar.

— Tá quentin, Mosquitinho?

Ele abriu os braços e olhou para si mesmo.

— Tô pa-parecendo um travesseiro, Tatá. É roupa demais.

— Cê vai agradecer quando tiver lá. É tão frio que o cu faz bico.

Me sentei na cama, peguei o espelhinho de borda laranja que ficava pendurado na parede e comecei a me "maquiar". Começo a rir só de lembrar. Peguei o batom rosa, que era a única maquiagem que eu tinha, sujei o dedo e passei nas pálpebras, como se fosse sombra. Depois fiz o mesmo nas bochechas como se fosse blush.

Por sorte, a noite não iria destacar tanto meu belo visual de hematomas recentes. A escuridão, no entanto, não iria esconder o salto plataforma da bota marrom que eu havia pegado emprestado com Lilica, nem minha blusa amarelo ovo por baixo da jaqueta jeans. Não posso me esquecer das pulseiras de plástico coloridas.

Quando cheguei à cozinha, vi meus pais tentando interpretar os resultados dos exames da minha mãe. Não tive tempo de perguntar se tinha algo grave nos resultados, pois meu pai quase cuspiu o café ao ver meu visual.

— Vai esgotar brejo, Catarina? — Ele olhou para as minhas botas e franziu a testa — Diabo de sapato é esse?

— Pior é essa cara cor de rosa. — Minha mãe fez uma expressão de deboche, me olhando de cima a baixo.

— Pior que é! Parece que tomou meia hora de tapa na cara, menina!

Quando ouvi a buzina do fusca, peguei a mão de Jaime e saí rápido, ouvindo os costumeiros conselhos de "comporta direito e obedece sua madrinha" que minha mãe dava.

— Tomar no cu... — Resmunguei enquanto saía.

— Tatá, que boca suja. Ocê tá mesmo meio...

— Quieto, Jaime. Nem começa.

Minha madrinha abriu a porta do fusca, que estava estacionado em frente e saiu, baixando o banco para que Jaime e eu pudéssemos entrar. Dei de cara com Nico no banco de trás sozinho. Assim que meu padrinho deu partida, ele sussurrou:

— Cê tá bonita.

Parei por um segundo, de testa franzida, pensando se acreditava no elogio dele ou na zombaria dos meus pais. Então dei a mão à ele, entrelaçando nossos dedos sobre o banco. Preferi ficar com a opinião de Nico, como sempre, mas mesmo assim tentei limpar pelo menos o batom do rosto.

Assim que chegamos ao local da Exposição Agropecuária, o cheirinho de pipoca amanteigada tomou minhas narinas. Havia muita gente andando entre as barraquinhas. A maioria era famílias com crianças, mas também havia namorados de mãos dadas e grupos de adolescentes.

Aquela festa era a mais aguardada do ano na nossa cidadezinha. Era quando animais e produtos agrícolas ficavam expostos em galpões para que todos pudessem conferir e também fazer ofertas. No entanto, a maioria das pessoas ia apenas para se divertir nos shows, comer, comprar bugigangas e usufruir do parque.

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