Capítulo 65

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 [Nico - Gravação em fita cassete - Lado B]

01 de janeiro de 2005

Ô menina, casa comigo, que ocê não passa fome! Não vou falar o resto, ou no cacete ocê me come!

Pensa nuns versos de quadrilha bom que eu tinha naqueles tempos! Que época danada de boa! Eu tenho saudade demais, cê num tem não? Queria poder voltar naqueles dias quando minha maior preocupação era não deixar a tia da igreja colocar ocê pra dançar com outro menino.

— Nesse ano cê podia dançar com a Lia e deixar a Catarina dançar com o Fabinho.

— De jeito nenhum, tia. — Eu teimava, agarrando sua mão mais firme. — Só danço com a Catarina.

— Existe outras meninas no mundo, Nico.

— Uai, mas a Catarina cabeçuda só tem uma! Num vou dividir.

Cê me deu um pisão no pé e eu gritei um "Ai!" bem alto, te empurrando sem soltar a sua mão. A tia olhava pra nós dois e balançava a cabeça, reprovando aquela cena.

— Cês dois briga que nem cão e gato. Num entendo pra que querem ficar sempre junto.

A gente olhou um pro outro. Cê parecia confusa e eu também. Brigar era parte de nós dois, da nossa infância, e não sabíamos demonstrar carinho sem um pouco de agressividade.

— Vem, Nico. — Cê me puxou pra longe. — Vamo dançar, cara de bode.

A tia suspirava, insatisfeita, vendo que todo ano era igual. Sempre ia ser, não tinha jeito. A vida inteira, a cada ano que passava, não tinha ninguém que eu quisesse colocar no seu lugar. Isso nunca mudou.

Uma coisa que sempre quis te falar é como cê faz bem pra quem tá perto d'ocê. Sei que sua mãe te fez acreditar que cê era pouca coisa, mas é mentira. Pra mim, e pra todo mundo que te conheceu, sempre foi aquela pessoa que deixava todo mundo melhor com sua presença.

— A Catarina chega e a alegria aumenta. — Ouvi sua professora do primário dizer uma vez. — Ela puxa as crianças pra brincar, ela ouve e ajuda os outros a fazer a lição. É muito boa essa menina.

E teve um dia, depois da reunião de pais na escola, que ouvi meu pai dizer à minha mãe:

— Tadinha da Catarina. A cumade jogou no lixo a florzinha que a professora fez pra ela de melhor aluna do bimestre. É só pra menina não saber o quanto a professora gosta dela.

— Claro que não, sô! — Minha mãe defendeu a sua. — A Leda deve ter enganado e jogado junto com o papel de bala que tava na mão dela. A cumade num ia fazer isso com a menina dela.

Teve várias situações da vida que me fizeram pensar que cê não sabia o quanto era amada. Sua mãe não deixava ocê ver que era. Acabei desejando te tirar da casa dela desde muito pequeno. Não gostava de te ver sempre amuada.

Quando tinha uns oito anos, ficava fantasiando o dia que iria crescer, te pedir em casamento e te levar comigo pra bem longe dela.

— Cê vai memo casar com a Catarina, fio? — Meu pai cutucava.

— Eu vou. Vamo morar bem longe, pai. Aí a madrinha nunca mais vai encostar um dedo nela. Ela nunca mais vai chorar.

Me sentia que nem esses heróis das história, esses príncipe que vem num cavalo branco e esses trem tudo. Te imaginava como a princesa das histórias que eu precisava resgatar. Só que cê era uma princesa meio diferente, meio brava, e que nunca precisou tanto assim de mim pra te resgatar.

— Se a cumade bate na Catarina, é pra educar ela. — Minha mãe dizia. — Se uma menina num é educada de nova, o marido educa ela à cacetada quando crescer. Por isso tanta mulher apanha quando casa.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now