Capítulo 30

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Nico e eu paramos no exato instante em que ouvimos um barulho de passos. Olhamos ao mesmo tempo para os fundos e vimos Lilica vindo da casinha dela, com seu cabelo alto, crespo e lindo. Andava tão imponente que me fazia pensar que tinha certeza de quão incrível era e que não temia nada, nem ninguém.

Ela abriu um sorriso enorme assim que acenei, chamando sua atenção.

— Vem, Lilica! Quero que cê conheça o Nico.

— Ei, Catarina! — Ela se aproximou e me puxou para um abraço inesperado — Foi seu aniversário esses dia, menina! Eu esqueci de te dar um abraço! Me desculpa.

Nico ficou um pouco de lado enquanto ela me felicitava. Contudo, Lilica logo passou os olhos nele, meio desconfiada e hostil.

Nico se apresentou, sendo simpático e educado como sempre. Não era do tipo extrovertido e brincalhão logo de início. Era sério, na verdade, como meu padrinho. Apenas quando tinha certa intimidade com a pessoa é que se soltava completamente. Aí sim, se tornava o garoto implicante que eu conhecia bem.

— Eu catei um pote de doce de leite da festa pr'ocê, Lilica. — Contei a ela, com certo pesar — Num te convidei cadiquê eu nem sabia. Foi surpresa e...

— Ah, menina, esquenta não. Depois eu quero o doce sim. Tem um queijin pra comer com ele. Depois até trago um pedaço pr'ocê.

— Cê tá indo pro salão? Se não, eu pego agora pr'ocê levar.

— Tô indo, sim, meu bem. Abri esses dias, né? Num posso dar bobeira.

Lilica estava empolgada por finalmente ter realizado o sonho de abrir um salão. Ela e a namorada trabalharam muitos anos até conseguir montar tudo e inaugurar.

— Eu tenho que ir, Catarina. Mas antes cê me empresta esse menino aqui? Preciso falar com ele. — Ela segurou no braço de Nico.

— Falar o quê? — Estranhei.

— Coisa rápida. Fica aí, meu bem.

Ela o arrastou para longe de mim, até quase ao portão da frente. Aquilo ficou me intrigando.

Fingi que estava pegando a roupa no varal e fui me aproximando, escondida atrás de uma das cobertas, tentando ouvir o que eles conversavam.

— Ela é uma menina boa! — A voz de Lilica estava autoritária — Cuida dela, tá ouvindo? Num brinca com ela não, que eu te caceto, moleque!

Nico falava baixo. Não entendi o que ele dizia, mas estava muito tranquilo. Levei a mão à boca para não rir da bronca que ela estava dando nele.

— Eu num confio em homem não. — Lilica prosseguia, com a mão na cintura larga e o peito empinado, como quem está pronta para qualquer coisa — Ocê parece bãozinho, mas como eu sei que é? Num sei, uai!

Nico balançou a cabeça, dando a entender que a compreendia. Me aproximei mais, em uma curiosidade maior do que eu.

— Num te conheço, mas conheço essa menina aí, ó. — Ela prosseguia — Catarina é um anjinho sofrido, cuida do irmão, da casa, estuda, trabalha... Ela faz tudo e a mãe judia, o pai se afoga em bebedeira e ela vive sonhando acordada. Num judia dela, não, menino. Ela merece amor nessa vida. Cê tá me ouvindo?

— Tatá? — A voz de Jaime, me gritando da porta, me deu um susto. As palavras de Lilica estavam me tirando de órbita.

Saí de fininho, enquanto Nico e Lilica seguiam conversando no portão. Encontrei meu irmão na porta, de testa franzida.

— Que foi? — Perguntei.

— Nada. A mãe ma-mandou eu ver que cê e o Nico tava fazendo.

Fiz uma careta irritada. Minha mãe estava me vigiando a cada vez mais conforme eu crescia.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now