Capítulo 20

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Esperamos por Nico naquela manhã, mas ele não retornou a tempo de conversarmos. O professor de biologia chegou e Isabel me lembrou de que não deveríamos perder aquela aula.

— Catarina, vamo, num é todo dia que eu consigo sentar na frente! — Ela me puxou pela mão, me fazendo tropeçar — Tenho que ver aquele popozão do professor balançando enquanto apaga o quadro! Só isso pra minha semana miorá. Anda!

— Ô Bel, eu vou cair, sossega esse fogo na periquita!

Fiquei olhando para todos os lados para ver se Nico estava em algum lugar. Na hora do recreio, até pensei em procurar por ele, na esperança de que estivesse na escola ainda. No entanto, a fome era sempre maior do que eu e fui logo para a fila da merenda. Acima de tudo, tinha de levar meu irmão comigo para evitar que crianças maiores furassem a fila na frente dele.

— Como que cê fazia q-quando era pequena que nem eu, Tatá? — Jaime me perguntou um dia — As crianças grandes n-não te batiam? 

— Não, eu tinha alguém que me protegia tamém.

Não consegui evitar sorrir ao me lembrar. Não eram raras as vezes em que Nico saía no tapa com meninos maiores por minha causa. Não éramos briguentos, mas se alguém mexesse com um de nós, caíamos na porrada sem pensar duas vezes.

Minha atual escola era diferente da qual havia estudado as primeiras séries. Era bem maior e ficava no centro da cidadezinha, com grandes espaços e um prédio de dois andares, pintado de amarelo e azul. Era mesmo provável que Nico tivesse de vir a estudar ali, visto que nossa antiga escola era pequena e não abarcava o ensino médio.

Quando as aulas daquela manhã acabaram, era quase meio-dia. Isabel sempre esperava o ônibus em frente à escola. Ela morava na roça, perto da casa dos meus avós, o que eu invejava bastante.

— Chora não, amanhã cê vai dar uns amasso no Nico, tá? — Ela caçou e fez língua antes de entrar no ônibus. Ficou acenando da janela enquanto uma massa de crianças se atropelava para entrar no transporte empoeirado.

— Quem é Nico, Tatá? — Jaime me perguntou enquanto voltávamos para casa, andando devagar sob a sombra das árvores que havia na rua da escola.

— Já te falei dele, não lembra?

Ele fez que não.

— Ele sempre foi meu melhor amigo. 

— Uai, como assim? — Jaime parou e fez uma cara de revolta — Pensei q-que eu fosse seu mió amigo!

Olhei para ele, surpresa. Aquilo era novidade para mim.

— Ah, é, mas é diferente. Cê é meu irmão e o Nico... É o Nico.

— Cê go-gosta dele, né? — Jaime estava sério ao perguntar isso — Pode falar, eu sei que gosta.

— Ih, mosquitinho, para de bobeira.

— Tatá, cê num tem idade pra isso.

— Pra isso, o quê?

— Pra casar, uai. 

— Larga mão de ser besta, menino, eu num vou casar. Cê sabe que eu quero é estudar.

— A mãe diz que cê logo vai casar.

— A mãe tamém diz que São Jorge mora na lua com um dragão.

— E num é verdade? — Jaime ficou de queixo caído.

— Nada, quem mora com um dragão é o nosso pai.

Viramos a esquina, pisando nas folhas que o vento espalhava pela calçada. Ainda não estava frio, mas logo ficaria. Jaime me contava fatos aleatórios de seu dia enquanto eu só pensava em chegar em casa e ver o capítulo da novela com Lilica. Quando olhei para o outro lado da rua, quase dei de cara na árvore. Nico estava frente à frente com uma menina e os dois conversavam e riam.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now