Capítulo 22

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As folhas secas caíam em meu cabelo, provavelmente com uma ou outra formiga inofensiva junto. Entretanto, não fiz questão de sair dali. Estava tão bom debaixo daquela árvore e dentro daquele abraço.

A camisa de Nico tinha cheiro de amaciante, mas o cheiro do pescoço dele me lembrava a roça, como se eu estivesse em meio à relva em uma manhã de sol. Nós dois nunca havíamos ficado daquele jeito.

Apenas me afastei quando o sino soou. Foi como o despertador da realidade, me mostrando que deveria tomar cuidado. Havia olhos por todos os lados naquela escola e qualquer fofoca que chegasse aos ouvidos da minha mãe, me geraria mais problemas do que já tinha.

Assim que nos soltamos, ficamos olhando um para o outro. Ao redor de nós, toda a escola se tornava um caos de carteiras sendo arrastadas e alunos falando, gritando e correndo.

— Tem uma formiga n'ocê, Nico. — Passei a mão em seus ombros para tirá-la.

Nico ficou me olhando fazer aquilo, depois devolveu o favor retirando algumas folhas do meu cabelo. Logo viu algo abaixo do meu olho. Era um cílio que se desprendera. Ele o pegou e deixou na ponta do indicador.

— Quer fazer um pedido?

Fiz que sim e assoprei aquele cílio negro, que voou e desapareceu na mesma hora.

— Que foi que cê pediu? — Nico quis saber.

— Que cê nunca mais vá embora.

Ele estava tão perto. Por um momento, tive a impressão de que me beijaria, mas Nico se levantou e me ofereceu a mão para me ajudar.

— Não precisava gastar seu pedido com isso. — Disse ele, me erguendo pelas mãos até que fiquei de pé à sua frente — Se um dia eu for obrigado a ir embora de novo, viro um criminoso, porque te roubo dos seus pais e te levo comigo.

Minha alma deve ter dado uma pirueta, pois senti uma grande energia em mim. Aquela era uma frágil e doce esperança.

— É uma promessa, Nico?

Ele afirmou com a cabeça.

— É uma promessa.

Fomos juntos à sala do meu irmão para buscá-lo. Assim que nos viu, Jaime franziu a testa, colocou as mãos na cintura e começou a bater o pezinho. Só me faltou dizer "Bonito, hein, Tatá?".

Para minha sorte, ele não falou nada durante a volta para casa. O que não impediu de continuar fazendo uma cara terrível para Nico enquanto saíamos da escola e começávamos a andar pelas calçadas.

— Ah, tava esquecendo. — Nico abriu a mochila e tirou um carrinho antigo, um chevette que abria as portas e tinha poltronas marrons — Trouxe pr'ocê, Jaime.

— Pra mim? — Meu irmão pegou aquele carrinho com tanto cuidado que parecia ter medo de que fosse se desmanchar.

— Brinquei demais com ele e achei que cê ia gostar. É de fricção. Se ocê puxar ele pra trás e soltar, ele anda.

Jaime não tinha carrinhos, por isso ficou tão entretido que nem se importou mais conosco. Foi andando à frente, passando o carrinho pelas paredes enquanto fazia um som de "vrum" bem alto.

Nós três andamos um bom pedaço do caminho juntos, como da última vez. Nico acabou me contando que a menina com que andava se chamava Vanessa. Me lembrava bem daquele nome.

— Foi ela que me falou que cê tinha passado na frente da sala. — Contou ele, andando devagar ao meu lado — Aí eu fui te entregar os livros.

— Eu ouvi o pai falando que cê tava namorando uma Vanessa. Não é essa menina? — Ser sutil não era meu forte.

Nico fez uma cara feia.

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