Capítulo 43

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Fiquei na casa de dona Carmem por alguns dias me preparando para a viagem. Como meu trabalho já incluía dormir lá alguns dias por semana, isso não foi um problema. Havia um quartinho lá que havia sido preparado para mim há algum tempo. Foi nele que passei aqueles últimos dias.

— Ah, minha menina. — A idosa segurou meu rosto quando entrei e enxugou minhas lágrimas — Pronto, pronto, chega de salgar a vida.

— Se for incomodar, eu volto pra casa, dona Carmem.

— Claro que não vou te deixar voltar pra casa. — Ela sorriu e me levou ao sofá — Eu também já passei por isso, menina. Já precisei sair de casa. Dá medo mesmo, mas é necessário. Vai dar tudo certo.

Ela me acolheu com um carinho tão grande que era até estranho. Com a carência que carregava, no entanto, não demorou muito para ver nela uma figura materna, aceitando com anseio os abraços e beijos que me oferecia.

Naquele período, meu pai veio me visitar e me trouxe algumas roupas e documentos que eu havia deixado para trás. Ele também conversava com Gabi, com os pais dela e com todos que podia, com medo do que poderia me acontecer na cidade grande. Mesmo com tudo certo, ele ainda tinha medo. Não posso dizer que me sentia diferente.

— O senhor vai sair de casa mesmo, pai? — Perguntei certo dia, quando ele parou na porta para me entregar uma sacola com os poucos livros que eu tinha.

— Amanhã eu saio. Já arrumei um rancho na roça. Num é grande coisa, mas vou trabaiá na lavoura de café, plantar e colher. É um lugarzin sossegado. O seu irmão vai poder brincar bastante e vai ser meu companheirin tamém.

— E eu viajo no sábado. — Pensei alto — Então nem vou mais ver o senhor.

— Por isso que vim. Tinha que te ver antes de ir pra roça.

— E a mãe? Ela vai querer o Jaime? — Era tudo que me preocupava.

— Eu vou pagar pensão pra ela, mesmo com o menino morando comigo. Tendo dinheiro, ela não vai querer ele. Sua mãe nunca quis ser mãe.

Baixei a cabeça, brincando com a alça da sacola de plástico.

— Eu desconfiava disso já.

— Cê veio porque eu vivia pedindo pra ela, Catarina. — Confessou meu pai — Eu sempre quis ter fio, mas ela não queria. Quando sua madrinha engravidou foi que sua mãe se empolgou, mas num se deu bem com isso não. Nunca gostou de cuidar de criança e ainda ficou meio doida quando cê nasceu. Nem nome sabia qual botar. Com o Jaime cê sabe bem como foi, ela tamém num queria. Duvido muito que queira cuidar dele sozinha.

— E como tá o Mosquitinho? 

Meu pai deu um sorriso forçado.

— Num preocupa, ele vai ficar bão. Lá no rancho tem cavalo, tem cabritinho, tem cachorro. Ele vai brincar muito.

Meu pai nunca dizia como meu irmão realmente estava. Era como se soubesse que aquilo me afetava muito, então desconversava sempre. Minha vontade era de levá-lo embora comigo.

— Ocê vai se despedir da sua mãe, Catarina?

— Num sei. Ela fala de mim?

— Fala que cê tá abandonando ela, que depois vai voltar correndo e chorando pra casa, essas coisa que cê já imagina. Sei que ela se preocupa c'ocê, mas do jeito dela.

— Eu não acho não, pai.

— Pode ser. — Ele coçou a cabeça e olhou para o lado, como era o seu hábito — Ocê que sabe. É mió eu ir embora. Cê tá bem, né? Precisa de mim pra mais alguma coisa?

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now