Capítulo 10

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No dia 18 de maio de 1995 eu completei onze anos. Com o dinheiro que meu pai e meu padrinho me deram eu consegui vinte reais e decidi gastar em um vestido branco para ir à missa na igreja matriz da cidade. 

Todo ano, naquela época, eu via as meninas vestidas de anjo subindo no altar que era montado na igreja. Elas cantavam bonito enquanto colocavam terços e coroas de flores na santinha de manto azul. No entanto, sempre que eu pedia para participar, os coordenadores diziam que não havia roupa sobrando.

Portanto, segurei meu dinheiro firme nas mãos naquela tarde e fui ao brechó da dona Selma. Levei meu irmãozinho comigo e ele passou o tempo todo repetindo "Tatá" e apontando para as coisas. Era assim que me chamava e, ainda que minha mãe odiasse apelidos, com aquele não teria jeito. Jaime me chamaria assim a vida toda.

Ele se parecia comigo, tanto na pele morena quanto nos cabelos cacheados. Todo mundo dizia que minha mãe tinha que tentar ter mais um filho para ver se vinha com os cabelos lisos dela e a pele mais clara do meu pai.

— Ah, não, — Respondia ela cordialmente — Vou ficar só com os meus dois pretim memo, tá bão demais.

Essa delicadeza era na frente das pessoas. Pelas costas ela resmungava:

— Fácil falar! Não é da perereca deles que vai sair!

Revirei o brechó até achar um vestido branco. Por sorte, havia um único vestido lá que parecia estar me esperando. Não tinha mangas e pegava pouco abaixo do joelho. No peito, ele tinha letras prateadas que diziam "Sandy e Júnior". Fiquei em dúvida se era apropriado, mas pus fé que a santa também era fã e não iria se importar.

Me custou apenas 5 reais e ainda consegui comprar uma sandália de plástico transparente, alguns grampos prateados para prender o cabelo e me sobrou dinheiro.

No dia da missa eu tomei banho bem cedo, coloquei o vestido, já lavado e cheiroso, passei um pouco do desodorante do meu pai e arrumei meu cabelo com os grampos. Cada um deles tinha uma flor prateada com uma pequena pérola. Assim que fiquei pronta, senti um frio na barriga. Nunca havia me visto tão bonita.

— Anda, Catarina, nós tá atrasado. — Minha mãe me chamou, já me entregando Jaime, que foi logo babando na minha roupa.

Ainda que o mimasse, minha mãe não gostava de ter trabalho com o menino, e Jaime ficava tanto comigo que abria o berreiro quando eu ia para a escola. Minha mãe até queria que eu parasse de estudar para cuidar dele, de jeito que ela também pudesse trabalhar fora, mas meu pai não permitiu.

Nós quatro saímos faltando poucos minutos para a missa começar. Andamos dois quilômetros até a praça e quando entramos na igreja, estávamos bem atrasados e já não dava nem para ver o altar. Os bancos estavam lotados e havia várias pessoas de pé.

Ficamos em um canto onde nem dava para ver o padre. Meus pés estavam machucados por causa da sandália de plástico e eu tive de ir ao banheiro da igreja para ajeitar meu cabelo, pois o vento já tinha desfeito muito do meu trabalho.

Assistimos as duas horas de missa em pé, mudando o peso do corpo de uma perna para outra a cada minuto. Na hora de dar a oferta, meu pai deu vinte centavos para Jaime e me pediu para levá-lo até a frente. Segurei a mão dele e atravessei o corredor do meio da igreja encarando a Virgem Maria com um sorriso. Estava me sentindo digna de ser olhada por ela e por todos ali.

Quando depositamos a oferta na cesta, a coordenadora da igreja me pediu para eu segurá-la, pois a outra criança estava fazendo birra. Então eu fiquei lá com meu irmão, segurando a cesta enquanto as pessoas depositavam moedinhas ao som de uma canção alegre.

Quase todas sorriam para mim e eu sorria de volta e dizia "Obrigada!". Jaime começou a me imitar e todos o adoraram. Quando terminou a música do ofertório, entreguei a cesta cheia de moedas para a coordenadora e a segui até a parte de trás do altar.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now