Capítulo 38

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— Cê brigou com sua mãe, Catarina?

A forma como ele me olhava, me fazia sentir que era completamente transparente. Tinha a impressão de que podia ler a verdade dentro de mim.

— Não. Quer dizer, a gente sempre briga, mas não.

— Ouvi dizer que seu vô tá doente. É por isso que cê tá assim?

Meu peito se apertou na mesma hora.

— É, o vovô não tá com a cabeça muito boa. E tem a Bel. A gente fez as pazes, mas ela não tá bem. 

— O que ela tem?

Pensei em contar, mas mudei de ideia ao me colocar no lugar dela. Não iria querer que algo tão íntimo e doloroso se espalhasse. 

— Eu não posso contar. 

Nico estranhou e desfez o sorriso.

— Desde quando cê tem segredo de mim?

— O segredo não é meu, é da Bel.

— Ela também é minha amiga.

— Então espera ela te contar.

Ele olhou para o lado, descontente, mas logo aceitou.

— Tá bem. Se não quer dizer, não diz. — Sua mão veio até a minha e segurou com firmeza — Mas não fica triste. Eu tô aqui pra tudo que precisar.

Fiz que sim com a cabeça.

— Eu sei.

"Vou ter outra oportunidade para falar da fita que roubei." Pensei "Não quero perder o resto da noite e é o que vai acontecer se ele ficar bravo comigo."

— Quer um sorvete? — Ele sorriu, deixando o assunto para trás. 

Me levantei e o acompanhei pela pracinha. Compramos sorvetes e tomamos enquanto conversávamos. Com alguns centavos, ele ainda comprou moedas, guarda-chuvas e bolinhas de futebol de chocolate. A maioria eu guardei para levar para Jaime.

Meninas brincavam de pular corda nas calçadas ao redor de nós, entoando:

"Um homem bateu em minha porta e eu abri. Senhoras e senhores, põe a mão no chão! Senhoras e senhores, pulem em um pé só! Senhoras e senhores, deem uma rodadinha. E vá pro olho da rua!"

Passei por elas, segurando a mão de Nico, pensando que a pouco tempo eu estava brincando daquele jeito. Ainda me sentia capaz de brincar, mas aquilo se afastaria de mim a cada dia mais rápido. Logo a infância seria apenas poeira em meus pensamentos.

Assim que retornamos à casa, ouvi o barulho dos irmãos dele lá dentro, o que não me animou muito. Ao entrar, vi minha madrinha colocar a comida na mesa e ajeitar os pratos à frente de cada cadeira. Havia preparado arroz, feijão, pastelzinho de angu com carne moída, couve, farofa e carne de lata. Para beber havia duas enormes jarras de suco de maracujá natural com as sementes, que era um detalhe que eu adorava.

Nós nos sentamos, ocupando todos os seis lugares da mesa. Meus padrinhos se sentaram nas pontas, Nico e eu nos sentamos lado a lado e os irmãos dele à nossa frente. Minha madrinha veio atrás de mim e colocou as mãos em meus ombros, fazendo carinho, assim que me sentei.

— Tem doce de figo de sobremesa na geladeira. — Sussurrou — Esfreguei as fruta com areia até ficar lisinha e cozinhei com cravo e açúcar. Tá gostosin demais. Fiz só porque ocê vinha, fia. Então larga um espacinho aí na barriga.

Me virei para cima, sorridente.

— Obrigada, madrinha. Pode deixar que eu deixo um cantin pro doce de figo.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now