Capítulo 66

3K 481 221
                                    

Assim que tirei a fita, limpei as lágrimas e me deitei olhando para a lâmpada apagada no teto. Aquelas gravações mexiam tanto comigo e ao mesmo tempo me davam tanta força que ficava sem reação. Porém, sem pensar demais, me levantei depressa, peguei o celular no criado ao lado e fiz a ligação.

— Oi. — A voz rouca de sono do outro lado me fez entender que eu o tinha acordado. — Que foi, Catarina?

— Nico, eu também te amo! — Falei no repente. — Esqueci de dizer. Eu também te amo, tá?

— Hm?... Tá bom?

Mordi o polegar, o que era uma mania que ia e voltava, enquanto pensava no que dizer.

— Cê tá bravo, né?

— Eu tô com sono, Catarina.

— Ai, cê tá bravo. Eu te acordei?

— É duas da manhã. Que cê acha?

— Ei! Não precisa ser cavalo.

Ele bocejou de forma escandalosa.

— Também te amo, minha égua. Posso voltar a dormir agora?

— Pode, né. — Suspirei. — Essa conversa num vai ser fofa como nos filmes mesmo.

Ouvi barulho na linha. Ele estava se sentando na cama ou se levantando.

— Que houve? Tá mais doida do que de costume.

— Doida é sua vó.

— Fala logo que cê tem.

— Vem me ver que cê vai entender.

— Uai, mas eu não ia te atrapalhar? — Pelo tom de voz, deu para notar um pouco de ressentimento.

— Cê nunca me atrapalha. Isso foi idiotice minha. Vem me ver, por favor. Eu preciso d'ocê. Desculpa o que eu falei antes, sei que sou idiota, mas num fica sentido comigo.

— Ei, se calma. — Sua voz também amansou. — Claro que eu vou te ver. Eu ia até a pé se precisasse. — Ele riu. — Não tô sentido c'ocê, tá? Só fiquei confuso. Pode me esperar que até o final do mês eu tô chegando.

Assim que finalizamos a ligação e me deitei, me senti bem mais leve. Ainda precisava botar as ideias em ordem, mas já sabia que o melhor caminho não seria ficar longe dele.

Estava difícil dormir, o sono não vinha e só conseguia pensar na ONG que Nico havia dito na fita. Estava empolgada, com muita vontade de ir trabalhar para ajudar a construí-la, mas isso me faria refém de poucas oportunidades no interior. Concluí que o melhor seria ajudar de longe e tentaria sempre ser voluntária nas vezes em que fosse visitar minha cidade. 

— "Bem me quer, mal me quer." — Cantarolei e ri. — Como lembraram disso?

Consegui ficar um pouco mais calma e dormi muito bem minutos depois, mas no dia seguinte e pelo resto da semana fui pura ansiedade. Ficar sozinha com meus próprios pensamentos me deixava em um estado de preocupação constante. Passava horas criando ideias de situações horríveis. Imaginava a decepção de Nico com meus exames, mesmo que ele não dissesse nada, e imaginava minha mãe, minha madrinha, meu pai, meus tios e todo o mundo me olhando com cara de pena ou de reprovação. Todos também falariam como Nico era bom por me aceitar, mesmo "defeituosa".

"Eu num tô pronta pra isso." Pensei em determinada manhã, dias depois de falar com Nico, enquanto entrava na sala da minha turminha de alunos.

Estava na escola em que havia começado a trabalhar. Era um local muito bom, com pessoas bem humoradas e muita confusão também. As horas que passava lá me ajudavam a pensar menos, já que é impossível lembrar da própria vida enquanto crianças estão quase colocando fogo no cabelo umas das outras.

Bem Me QuerWhere stories live. Discover now