Capítulo 57

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←Dia 30→

   Acordar com os passarinhos é uma coisa maravilhosa, mas acordar com acordes? Estou na cama há dez minutos apenas aproveitando o som, sem letra, sem voz, só as cordas, isso me lembra Pink Floyd e seus solos enormes, maravilhosos, não sei muito bem do gosto musical de Vicente, ainda há muitas pequenas coisas que tenho que aprender sobre ele, lembro que me disse que tenho um bom gosto musical, mas não me recordo se me disse o seu. Resolvo me levantar, passos lerdos até a janela, meus olhos estão semicerrados pela iluminação chegam a doer pouco, com a cabeça para fora olho para a cadeira ocupada ao lado da porta, é de balanço e Vicente a mantém firme com o pé, está de costas para mim então não me percebe, o vento fraco leva os meus e os seus cabelos para qualquer lado, está sem blusa e com um short jeans, despreocupado. Volto ao aconchego do quarto e resolvo fazer minha higiene matinal antes de sair para um café.

   No corredor sinto o cheiro do chá de hortelã que está em toda à casa, sorrio vendo que Vicente já prepara o café, procuro com uma varredura de olhar na sala o violão, nem sinal dele. Abraçando seu tronco para mim, sinto sua pele arrepiar em contato com minha mão em seu abdômen, subindo e descendo, um sorriso tênue e bobo na cara, eu me perguntaria o que estaria acontecendo comigo, e sei, não nego para mim e nem mesmo quero esconder, estou perdidamente apaixonada por esse homem e cada detalhe dele.
   — Bom dia — sua voz saí rouca pelo tempo sem usá-la, não necessito responder logo, quero sentir ele, o calor, o cheiro da colônia masculina e suave, quero aproveitar o nosso momento. Meus olhos perdidos na janela nem percebo quando se vira nos meus braços e me abraça. Fecho meus olhos e deito minha cabeça em seu peito podendo ouvir seu coração, não sei quantos minutos passamos ali compartilhando calor e amor, mas foram muitos antes de respondê-lo.
   — Bom dia — enfim, olho em seus olhos, não evito sorrir, estão claros pela iluminação da cozinha, o sol bate bem aqui, mas o brilho neles não é pela luz e pela primeira vez tenho tantas dúvidas do que pode ser, eu sei ler o olhar, mas o de Vicente agora quer dizer muitas coisas.
   — O que foi? — abano minha cabeça em negação imediatamente, mas não desesperada, sorrio enquanto prendo meus lábios nos meus dentes, Vicente observa tudo com calma e seriedade.
   — Eu não consigo ler o seu olhar, gostaria de saber o que está pensando, não sei o que o brilho nos teus olhos quer me dizer — deixa que um desenho pequeno e significativo desenhe em seu rosto e me abraça para ele. Sinto sua respiração no meu pescoço e ouvido, de certa forma isso me deixa arrepiada e eufórica.
   — Em como sou sortudo em ter você, em como gosto de estar ao seu lado, o quanto amo seu cheiro e seu calor — sinto um beijo quente — o quanto eu te desejo de todas as formas, de todas as posições, em todos os momentos, pensamentos e lugares. Em como eu te amo — nos olhamos e não demoramos nenhum minuto a mais separados. O aperto na minha cintura e o impulso para que eu subisse no balcão, nosso beijo se intensificou mais, minhas pernas automaticamente prenderam em seu quadril e suas mãos vagaram por dentro da minha blusa, eu senti o seu desejo e, ao mesmo tempo, enquanto estávamos sentindo o fogo um do outro, eu me perguntei de onde tiramos coragem para aguentar um ao outro, não falo de tolerância, falo de toque, de prazer. Quando nos separamos nossos olhares se cruzaram e se manteve por um bom minuto enquanto recuperamos as nossas respirações, lábios avermelhados pelo contato, mas não paramos, novamente atacamos um ao outro, a última vez que tivemos tanta intimidade não acabou bem, na verdade, acabou sim. Sua mão vagando pela minha coxa nua pela saia só me dá mais e mais vontade, uma sensação maravilhosa percorrendo todo o meu corpo, arrepios, frio na barriga, vontade, acima de tudo vontade, quando seus dedos me tocaram por cima do fino pano da minha peça íntima eu não pude evitar reagir, e parece que ele gostou disso, não parou por nenhum minuto os movimentos e seus beijos desceram dos meus lábios para o meu pescoço, se transformando em chupões doloridos e mordidas, gemidos baixos saíam da minha boca, mas eu não o deixei ileso, enquanto o tocava e deixava que meus gemidos baixos trouxessem arrepios para ele, senti que cheguei ao clímax, Vicente segurou minha mão de si e aproximou nossos membros, fazendo minhas pernas tremerem, mesmo estando loucos para nos sentir, éramos orgulhosos demais para ceder, mas até quando?

 Depois do café e de outro banho saímos para andar ao redor de tudo, disse que há um jardim por aqui, um pouco distante então usamos o carrinho de exposição, estava ansiosa para ver o jardim, não criei expectativas para não me chatear, mas penso que é muito difícil se chatear com um jardim, poxa posso pensar qualquer coisa, mesmo se não for do jeito que pensei ainda sim será lindo!
   — O que você pensa em fazer no futuro? Ou onde pensa em estar? — sentados no meio das flores fazemos um pequeno piquenique, analisando a pergunta que me fez, eu não sei responder essa pergunta, mesmo eu tendo dito que quero trabalhar e fazer faculdade, mas eu não sei onde estarei, não sei o que farei, agora eu tenho a opção de trabalhar com ele, até mesmo porque dissemos isso para a polícia, isso me faz lembrar que Jéssica pode estar no nosso pé, e temos que parecer que falamos a verdade, se eu estiver trabalhando para ele, as autoridades não irão desconfiar, não sei se isso é errado, sei que amar não, mas e todo o resto? Faço dezoito daqui a uma semana, e daqui a uma semana já é a primeira do próximo mês. Olho em seu rosto, tem seus olhos fechados enquanto aproveita o sol, mas parece notar que estou o olhando, já que abre um pouco, quase não vejo o castanho que se tornou amarelo. Engulo em seco e deixo a uva de lado.
   — Eu não sei — poucas palavras o faz mudar de posição, se senta mais adequado com um semblante mais sério, está confuso, sobrancelhas franzidas e lábios numa linha reta.
   — Como não sabe, há muito me disse que queria trabalhar e estudar.
   — Sim tenho certeza disso, mas, isso não é meu futuro, isso é breve. — Me ajeito e o olho melhor — digo, Vicente eu não aprendi a pensar no meu futuro, tampouco eu pensava que teria um, para mim o meu futuro seria apenas naquele lugar, e muitas vezes pensei que nem chegaria aos vinte — seus olhos se arregalaram — eu não tinha coragem sempre que chegava perto — minha voz saiu baixa por conta da vergonha, assim como meus olhos olhavam para o além, tudo para não o encarar — eu, não queria estar ali, não para sempre. Observando de agora, eu não acho errado o que eu sentia, sim é errado o que eu iria fazer, eu não me dei uma chance, mas pensa comigo — olho enfim para seus olhos — eu nunca pensei que sairia de lá, como eu disse, o que eu faria? Do que viveria? Uma pessoa como eu que pensava que estaria todos os dias da sua vida infiltrada ali, sendo vítima de abusos, humilhada, eu não queria viver mais nenhum dia ali, acho que alguém assim não pensaria em um futuro...

Meia NoiteWhere stories live. Discover now