Capítulo 56

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←Dia 28→

   Hoje está um dia ótimo, acho que à noite de ontem fez muito bem para mim, não só para mim, desci pela manhã e Vicente estava a cantarolar de um lado para o outro, a dançar e fazer o café, de todos os meus dias aqui parece que esse foi o que ele mais ficou feliz, não sei se o motivo é por causa da noite maravilhosa que tivemos ou se tem algo a mais, ele parecia tão triste em relação ao quarto passo da sua terapia, mas o dia parece leve de todas as formas, as pessoas nas ruas estão leves, voando como a bainha de um vestido na beira de um lago no parque. Respiro fundo todo o ar que pode entrar nos meus pulmões, o aroma de rosas estar no ar, junto ao da cidade, a única coisa que estraga é o odor da fumaça dos carros, aqui embaixo, pois lá encima no último andar quase não se sente. Seguro na minha bolsa para conferir se o livro está lá, a toalha quadriculada vermelha e em minha mão está o chapéu.
   — Vamos? — sorrio largo para o homem de bermudas e t-shirt brancas habituais.
   — Não vejo a hora de chegamos logo — esta é a última semana de folga de Vicente, estamos aproveitando bastante e o mesmo alugou uma casa longe da cidade para minha recuperação, até que estou andando melhor, meu pé não dói tanto, por mais que ainda esteja cheio de hematomas, não vou por defeito na nossa viagem que se dane o meu pé! O dia está perfeito demais. 

  O carro escolhido hoje deixa meus cabelos desarrumados, eu gosto, a sensação é de libertação, tudo de ruim está saindo de mim, gosto de pensar assim, que a cada dia me torno melhor do que ontem, é reconfortante. Olhar para o meu lado e ver que estou no meu melhor momento com a melhor pessoa, não me importo com diferenças nem com o que pode acontecer daqui três ou quatro anos, à única certeza que tenho é que terei vinte anos ou vinte e um, provavelmente estarei trabalhando ou em uma faculdade. Não posso afirmar isso, faculdade, e as duas únicas certezas que tenho é que irei morrer e que irei ter vinte e um anos. De resto, aguardo o que o destino preparou para mim, espero que ele seja bonzinho. 

  A visão que tenho de cima da montanha é assustadora, penso que estou numa montanha russa, a cada curva meu coração sobe a garganta, sinto o gosto do bile e me falta ar, parece que estamos voando, parece que iremos cair, sinto à vontade de abrir a boca e colocar a língua para fora como um cachorro faria, seria estranho, mas deve ser muito bom, ao mesmo tempo, dá um medo tremendo...

←Dia 29→

    O dia de ontem foi longo em música e conversa, a viagem durou um dia até o hotel que ficamos, estava tão ansiosa para ver a casinha que na manhã seguinte quando acordamos no hotel eu acordei Vicente para irmos logo e quando chegamos lá, eu não tinha palavras.

   Melhor que um tempo bom é um lugar silencioso, a casinha pequena parecia mais que estava perdida numa ilha, esperando amigos para alegrar seu dia, as árvores ficavam distantes, um lago pequeno e um lindo jardim. Sem vizinhos, só nós dois, o céu aqui parece tão azul quanto na praia, não fica muito longe daqui, alguns quilômetros e já estaríamos do outro lado. É incrível pensar que se fizemos uma longa caminhada estaremos ao lado de um lugar bem movimentado e festivo, essas pequenas viagens me revelam o espírito de Vicente, aqui é totalmente diferente da casa na praia, tão simples e calmo. Lá tão luxuoso e barulhento, ainda sim dois lugares perfeitos para relaxar. Ainda bem que trouxe bons livros, não sei quanto tempo exatamente iremos passar aqui, mas acredito que o suficiente para que eu tire essa bota. Não sei se Vicente já veio aqui outras vezes, a casa é alugada por dias, mas acredito que isso era a paz que ele precisava antes de voltar a sua rotina que eu nem sei como é, mas devo imaginar o quão cansativa deve ser.
   — Você já veio aqui? — paramos à beira do lago, é tão vasto em verde que acredito que se tiver casas próximas são tão distantes que não consigo ver, nossa casinha parece tão minúscula.
   — Uma vez quando eu resolvi fazer aventuras com Angel. — Sorri para mim — vamos entrar? Já está tudo arrumado para nós — concordo seguindo seus passos sem deixar de olhar o quão tudo é lindo.

   Pela noite estava sentada em frente a lareira olhando pela janela. Vagalumes rodeavam e apareciam de vez em quando, de dia tudo era vivo, verde e lindo, à noite era apenas um breu medronho. Resolvo dar às costas para fora e me dou de frente com Vicente, encara o caderno que há dias eu estava bisbilhotando, talvez estaria escrevendo alguma coisa, não atravo-me a perguntar nada, deixo que se quiser falar, fale, mas não me atrevo distraí-lo. Tomo o último gole do chá que preparou para nós, reparo nas curvas dos seu corpo obscuras pela luz alaranjada do fogo, a luz ilumina boa parte do caderno. Deixo à xícara de lado e fecho as cortinas, vou ao seu encontro na cama e sinto todos meus músculos protestarem. Hoje foi um dia longo e cansativo, horas de viagem e de exploração pelo caminho, mesmo tendo descansado no hotel, estou dolorida. Vicente fez questão de me levar no carrinho de exposição, com certeza faziam excursões por aqui, desta vez tudo estava apenas a nossa mercê. Ainda consigo ver os passarinhos e as lindas rosas quando fecho os olhos, o cheiro de plantas e terra molhada, acho que eu também necessitava disso. Amanhã acaba o mês, fico feliz em saber que a partir de amanhã Rob saberá que não me verá mais, pensando no clube me lembro de Carmela, lembrando de Carmela me lembro de Jéssica, onde será que ela está hoje? Deixo todos esses pensamentos de lado e me agarro ao tronco forte do homem perturbado ao meu lado.
   — Vamos dormir? — distribuo beijos em seu ombro.
   — Preciso pensar sobre o quarto passo — palavras curtas e baixas.
   — Cansado nunca chegará a uma solução — ouço seu suspiro e seus ombros relaxam ao meu toque, sinto sua pele se arrepiar por baixo dos meus dedos. A última vez que ficou assim me faz lembrar de cenas que me deixam excitada, gosto de pensar no poder que tenho em minhas mãos, ao mesmo tempo que gosto de pensar em como ele também me tem em suas mãos, descobriu todos meus pontos fracos em menos de dez dias.
   — Tudo bem — vira-se para mim selando nossos lábios, logo já travamos batalhas para ver quem explora mais a boca do outro. — Amanhã será um longo dia.

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Meia NoiteWhere stories live. Discover now