Capítulo 50

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←Dia 25→

   Pela manhã o clima da casa era o mesmo do clima de fora, neutro e cinza, ontem Vicente dormiu comigo e teve pesadelos, a parte pior foi vê-lo implorar, não sei o que aconteceu ontem pela manhã que o fez ficar assim, tão vulnerável, dormimos à tarde toda durante a chuva e pela noite continuou a dormir. Acordou cedo, não mais cedo do que eu olho a leve garoa cair na velha Londres enquanto ouço o chuveiro. Saio de frente da vidraça e arrumo a minha cama para passar o tempo enquanto Vicente ainda está no banho. Organizo os travesseiros e o urso quando a porta é batida. Sei que se trata de Clarice e isso faz meu coração esquentar. Uma coisa que eu tenho em mim, é agarrar as emoções das pessoas, mesmo não estando triste me sinto assim por Vicente, pelo que li no seu diário e pelo que vi ontem enquanto agoniava na cama implorando por algo, chegou triste e não quis falar sobre isso, acordou desanimado e não quis falar sobre nada. Entendo, ele tem suas dores profundas assim como eu tenho, e isso não é necessidade dele para falar, talvez ainda seja uma cicatriz aberta, os seus dias ruins são o dia que mais dói e arde, o que ele faz para parar a dor?

  — Clarice — sorrio ao ver sua imagem e a mesma se sente confusa quando a tomo para um abraço.
  — Olá — logo retribui, isso é tão caloroso para o dia de hoje que sinto que o peso nos meus ombros se vai.

  Descemos juntas para à cozinha e sinto necessidade de acender as luzes do ambiente, me sento sobre o balcão enquanto a mesma já começa seu trabalho e respiro fundo pelo pensamento que tenho. Observo que Vicente ainda não desceu e encaro a moça à minha frente.
  — Clarice — seus olhos encontram os meus, suas sobrancelhas estão arqueadas enquanto espera que eu fale. — Está aqui há mais tempo que eu, como é a rotina de Vicente?
  — Bom, é básica para alguém com esse extremo — aponta para a casa inteira e tem um pequeno sorriso. Sei o que quer dizer, é pouca para alguém com muito, geralmente pessoas com esse nível de luxo em mãos trabalha duro. — Trabalha sempre, sai cedo e chega ao fim da tarde, quando chega mais tarde é quando tem dias de reunião ou foi visitar as suas outras empresas para saber se tudo está indo bem. Os dias de folga são apenas quatro dias no mês, geralmente ele tira o final de semana — como uma fruta enquanto não a interrompo. — Quando sai de casa é para visitar os pais ou ir numa biblioteca local. Passa mais tempo lá do que nos pubs — pubs? — ah! Ele também tem uma consulta no mês com terapeuta — terapeuta? Será que é isso que ele foi fazer ontem? Por isso chegou tão mal? Devo imaginar que sim, uma pessoa com traumas internos como ele e coisas demasiadas para resolver sendo um só para tudo deve mesmo passar por um tratamento psicológico ou ficaria doente, mas isso não é o que me preocupa, o que me faz pensar é o que foi capaz de fechar o seu sorriso e tirar o brilho dos seus olhos.
  — Bom dia — rouco e frio.

  O dia inteiro eu me senti só, mas não fiz questão de incomodar Vicente, já estava atordoado demais com sua própria mente. Uma hora estava sentado olhando para fora o dia chuvoso, outra nem sei onde estava, mas chegou o fim de tarde e eu o procurava. Desço as escadas com cuidado, pois, desta vez estranho que as luzes da casa não se acenderam automaticamente como sempre, então eu mesmo o faço, uma melodia é ouvida por mim, o que me faz parar no meio da sala para tentar saber o que é ou de onde vem. Parece teclas de piano, tento seguir o som abafado, vem do corredor que leva para a piscina, lembro-me de ter aberto as portas e vi um piano. Está sentado a tocar, a melodia é triste, mas carrega em si um toque alegre e rápido, um tom grave com duas ou três teclas agudas, observo como seus dedos dançam no piano de um lado para o outro, olhos fechados e expressão carregada de sentimentos. Quando para, me olha, sinto um desconforto e sensação de estar invadindo seu espaço. Retira suas mãos das teclas e mantém nosso olhar, pelas minhas pernas Madame passa e vai em direção ao dono, não sei como tirar o branco entre nós, não falamos nada desde ontem praticamente. Apenas olhares que falam mais que nossas bocas...

  Deito olhando logo para o teto, o quarto está frio, nem parece que iniciou o verão, não chove mais e lá fora o céu não tem nuvens, poucas estrelas aparecem, a casa num silêncio que eu nunca presenciei. O pior de tudo foi um dia inteiro sem ouvir sua voz, sem ver seus sorrisos sem sentir seu afeto por mais que nem mesmo demonstre. Foi um dia que me deixa alerta para outros que virão, faltam quatro dias para todos do clube saber que eu não vou voltar. Suspiro se ficarei mesmo aqui terei que me adaptar a dias que Vicente não fala, não demonstra e quer ficar só. Até mesmo eu terei esses dias.

  Meus olhos se abrem abruptamente, sinto que puxo o ar com força, mas não consigo mover um músculo se quer. Olho de um lado para o outro e não estou no quarto onde dormi, rapidamente tento gritar quando me vejo no quarto do clube. A sombra debaixo da porta acelera meu coração, sinto o suor frio descer pela minha testa e mesmo querendo gritar, me mexer e correr não consigo, nem mesmo posso mexer minha cabeça. Grito, mas minha boca não se abre, a figura de Rob sorri para mim, um sorriso perverso cheio de maldade, fecho meus olhos com força e sinto o colchão abaixar, tento, luto, mas não consigo me mexer.

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