CAPÍTULO 26

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Querido Diário,

Eu nunca andei numa montanha-russa. Nem cheguei perto, pra falar a verdade... a não ser que considere aquelas da TV, dos comerciais da Disney. Será que eu teria coragem de entrar em uma? Provavelmente, não. Mas... quem sabe, não é? Afinal, a gente pode até achar que se conhece, que sabe tudo sobre si mesmo, mas a vida sempre dá um jeito de mostrar que não é bem assim...

Mesmo sem nunca ter dado uma volta, eu sei como uma montanha-russa funciona. Ela começa devagar, então acelera, uma hora está embaixo, aí você pisca o olho e ela já está em cima, de repente uma volta de 360 graus, e tudo o que resta é se deixar levar, pois você já não tem o controle da situação... exatamente como a minha vida, nesse momento. É o mesmo frio na barriga, o mesmo arrepio na espinha, toda vez que me vejo de cabeça pra baixo...

Às vezes, a coisa está tão tensa que a gente até sente o carrinho sair dos trilhos... é quando nem um grito escapa, nem uma reação, nada. Ontem foi um desses dias. A bruxa da Marisa apareceu de repente, com aquele nariz empinado e aquela língua que não cabe dentro da boca. Ela me encurralou direitinho, como se conseguisse farejar meu ponto fraco.... aí deu o bote. Sabe, eu poderia repetir aqui cada palavra, mas é coisa que não merece ser lembrada. Tem veneno que não mata, mas atordoa, e o clima dentro de casa não está dos melhores...

Agora, tem uma coisa que eu faço questão de contar com detalhes. Aperta os cintos que vamos dar mais uma voltinha na montanha-russa! Lá estava eu, no banheiro do colégio, num intervalo como outro qualquer. Só eu sei como odeio aquele lugar (quando posso, seguro o xixi até chegar em casa), mas resolvi deixar a neura de lado e entrei... Aquele cheiro forte me envolveu, e eu pensei seriamente em dar meia-volta... Olhei para os mictórios e minha mente declarou "sem chance". Não gosto de ficar ali, no meio dos outros meninos, mesmo que não tivesse mais ninguém no banheiro. Ou, pelo menos, era o que eu achava. Escolhi uma cabine aleatória, abri a porta e... pra minha surpresa, encontrei Luigi ali dentro.

Não sei qual dos dois ficou mais sem graça. Pra ser sincero, eu nem tive coragem de olhar a cara dele... só percebi, com o canto do olho, que ele tava sentado sobre a tampa da privada. Segurava a cabeça como se ela fosse cair do pescoço. Com certeza, tinha alguma coisa errada ali... mas ele não quis dar o braço a torcer. Quando perguntei se tava passando mal, ele negou. Até tentou esconder o rosto abatido, mas eu não sou bobo.

Por fim, o Luigi se deu conta de que não iria conseguir me despistar... Do jeito que as coisas estão, eu não podia esperar que ele confiasse em mim. Mesmo assim, ele resolveu abrir o jogo... e acabou soltando uma bomba no meu colo. A voz dele era praticamente um sussurro, mas eu ouvi tudo com atenção. Naquele momento, eu percebi o quanto a gente tinha se afastado... as páginas em branco que ficaram no meio da nossa história.

Confesso que pensei em alguma coisa estúpida, como se o Luigi estivesse mal por causa da sonsa da Renata, do campeonato de futsal ou algo do tipo... mas logo descobri que o problema dele é bem diferente. É um problema de verdade! Pelo jeito, a cantina não anda muito bem das pernas, e os Pavaroti começaram a rondar feito urubus em cima da carniça...

O medo do Luigi é que os pais percam o negócio e tenham que voltar para a Itália. Quando ele disse isso, eu senti meu coração despencar... Afinal, não tem como negar: é mais fácil retomar a vida que eles levavam antes do que começar tudo do zero, mais uma vez, numa terra estrangeira. Faz todo o sentido pra mim... por isso não consigo ficar tranquilo.

Ao que parece, o Luigi também sente esse aperto no peito. Ele deixou bem claro que não quer sair do país, pelo menos não tão cedo, e deixar tudo pra trás... No meio dessa história toda, ele ainda encontrou uma brecha pra demonstrar sua gratidão. Meu coração saiu do estômago e foi bater com tudo na garganta! Ali estava eu, imaginando que o Luigi não queria nunca mais me ver, e ele dizendo o quanto valorizava nossa amizade... agradecendo tudo o que fiz por ele, desde que chegou em Passaredo.

Minha vontade era de interromper aquele discurso, mas me contive. Eu tinha muita coisa pra dizer, só faltavam as palavras... Acabou que minha única resposta foi um sorriso, desses sem jeito nem graça. Quando Luigi saiu do banheiro, eu sentia duas coisas que não costumam andar juntas: um calor no peito e um gosto amargo na boca.

Do Fundo do Meu Coração - Dramas e Confidências de um Garoto ApaixonadoWhere stories live. Discover now