CAPÍTULO 10

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Sempre, imparare da sempre

Camminare da sempre

E non capirai niente

Hai sbagliato da sempre*  

Stupida - Alessandra Amoroso

Querido Diário,

Eu pensei sinceramente em não escrever hoje. Sabe como é, talvez fosse melhor esperar que as ideias se acalmassem aqui dentro da minha cabeça, pelo menos um pouco. É como se eu estivesse naquele jogo Tetris e as informações fossem as barrinhas coloridas que caem sem parar, amontoando-se e procurando cantinhos vazios onde possam se encaixar. E à medida que as barrinhas lotam a tela, outras aparecem, até chegar a um ponto em que elas simplesmente não se encaixam mais e tudo acaba em um grande GAME OVER.

Como você deve imaginar, a minha vida não é mais agitada do que a de qualquer menino em Passaredo sem acesso à Internet. Mas, por algum motivo, o universo decidiu que todas as coisas deveriam acontecer ao mesmo tempo nesta última semana. Tudo tão rápido, e ao mesmo tempo tão... definitivo! Se eu pudesse comparar com alguma coisa, seria mais ou menos como uma bomba que explodiu sem me deixar outra opção que não fosse lidar com os estilhaços.

Primeiro, apareceu no colégio esse carinha novo, Luigi, vindo de um lugar da Itália chamado Nápoles. Eu ainda me pergunto o que ele e a família vieram fazer tão longe, neste fim de mundo, mas talvez essa seja uma das coisas que eu não preciso entender e devo simplesmente aceitar. Só sei que ele tem raízes brasileiras - a avó materna, se eu não me engano, que foi para a Itália ainda jovem -, do contrário, não acho que ele saberia falar português tão bem.

Depois, teve o telefonema do meu pai. Talvez isso não fosse algo tão extraordinário se o senhor Hugo Souza - sim, é o meu pai, que fique bem claro - não tivesse o péssimo hábito de se manter fora de contato. Quer dizer, ele sempre parece muito ocupado (ou muito pouco disposto). Por isso é sempre bom saber que ele se preocupa em dar um sinal de vida, todos os anos, no meu aniversário. Mesmo que o meu aniversário seja apenas mês que vem.

E não posso me esquecer do colégio. As férias de julho estão logo ali, anunciando o fim da temporada de terror, mas isso não significa que os professores estão pegando mais leve com a gente. É prova toda semana, sem contar a tonelada de trabalhos, um mais sem noção que o outro, que a gente é obrigado a fazer em troca de um mísero ponto na média final. Amanhã mesmo eu tenho prova de matemática e, pra falar a verdade, eu devia estar era estudando... mas no que depender de mim, é claro que eu vou evitar o máximo possível a tortura de ter que olhar para aqueles números e fórmulas novamente.

Quanto aos meus amigos... bom, de um jeito ou de outro, todos estão meio estranhos comigo. O João parece fora de órbita, só sabe se preocupar com o curso que ele vai fazer na faculdade, dizendo que ainda não consegue se decidir - nós estamos no oitavo ano, pelo amor de Deus! Agora, a Gina... a gente se falou por telefone mais cedo e ela tava muito diferente. Mais seca, mais... distraída, talvez. Eu não sei o que se passa com ela, só espero que o problema não seja comigo. Quer dizer, ou tá rolando alguma coisa e ela não sente confiança em mim pra abrir o jogo, ou talvez seja apenas um mau dia ou coisa da minha cabeça. Mas algo me diz que a primeira opção é a mais provável.

E tem o Luigi - de novo ele. Mas este caso é diferente... Bom, talvez dizer que ele está estranho comigo seja um tanto injusto. Na verdade, nós nos conhecemos há pouco mais de uma semana, o que quer dizer que não nos conhecemos tão bem assim. Não que eu esteja reclamando, mas o Luigi não tem muitos motivos para querer ser meu amigo, e agora que ele tá namorando a menina mais popular do colégio.... bom, é claro que se ele tiver que escolher entre passar um tempo comigo ou com a Renata... você entendeu, né?

Mas o que eu quero dizer é que o Luigi não tem nada ver com o que eu sinto em relação a ele. E que talvez o motivo dessa minha mágoa seja o fato de que eu não conseguia ver o que estava bem debaixo do meu nariz. Em outras palavras, era como se eu buscasse culpar outra pessoa - ele - por algo que estava acontecendo comigo e eu não entendia. Não que eu entenda totalmente agora, mas pelo menos as coisas estão mais claras. Eu gosto do Luigi de uma maneira que eu nunca pensei que pudesse gostar de alguém, seja menino ou menina. É uma coisa esquisita, como se ninguém no mundo fosse melhor, mais perfeito e mais adorável que ele. E eu não posso evitar.

A minha conversa com a Camila fez com que eu enxergasse os sinais que se acendiam ao meu redor. Às vezes você precisa estar distante, fora de uma situação, para enxergar a coisa toda com clareza. Eu tô apaixonado pelo Luigi, sim, e ao mesmo tempo em que eu sinto que não há nada de errado com isso, é como se um medo tivesse se instalado aqui dentro de mim. Uma sensação de dor, mesmo, que me acompanha o tempo todo, que me faz duvidar de tudo, de todos... algo parecido com alguém que comete um crime e começa a desconfiar até das pedras, com medo de ser descoberto.

Enfim, Diário, descobrir quem eu realmente sou tem sido uma aventura. É uma mistura louca de dor, angústia, adrenalina, felicidade, paz... e medo. Eu daria tudo para que a minha mente pudesse apenas aproveitar o momento, processar tudo direitinho, mas esse medo parasita não deixa. Pelo menos por enquanto. Talvez por isso seja melhor dar um passo de cada vez. E eu agradeço a Deus, querido Diário, por poder contar com você para guardar esse segredo.


* "Sempre, aprender sempre / Caminhar sempre / E não entenderás nada / Errastes sempre" . 



Do Fundo do Meu Coração - Dramas e Confidências de um Garoto ApaixonadoWhere stories live. Discover now