CAPÍTULO 15

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A água fria do chuveiro jorrava como uma cascata enquanto Breno prendia a respiração, sentindo a hostilidade das gotas eriçar todos os pelos de seu corpo. Ele não costumava tomar banho antes de escurecer, e o inverno em Passaredo era frio demais para que ligasse o chuveiro em qualquer temperatura que não fosse a máxima... mas nada disso importava. A água gelada o distraía das centenas de pensamentos que o estavam rondando naquela tarde.

Quando aquela sensação se tornou insuportável, Breno desligou o chuveiro e se enrolou em sua velha toalha azul bordada, tremendo feito vara verde. Com um gemido de decepção, ele constatou que não se sentia muito melhor. Foi então que o menino encontrou a própria imagem no espelho rachado do banheiro, e ali sustentou o olhar enquanto uma indecisão pairava sobre sua cabeça.

Ele abriu a porta com cuidado, metido em roupas velhas e com a cabeça enterrada em um boné para proteger os cabelos úmidos do ar frio. Um estranho silêncio preenchia o corredor da pensão, no qual se ouvia apenas o canto abafado dos pássaros. Pé ante pé — em parte para não chamar a atenção de alguém, mas também porque não tinha certeza do que queria —, Breno se esgueirou até o final do corredor e desceu a escada. Mal teve tempo de perceber que a sala estava vazia quando seus olhos foram atraídos para o telefone.

Mordendo com força o lábio inferior, ele tirou o aparelho do gancho. Breno havia anotado o telefone de Luigi na última folha de seu diário, mas não era necessário consultar agenda alguma porque o número já estava tatuado em sua memória. O motivo da hesitação, que o consumia enquanto ele fitava as teclas numeradas, era outro. Queria tirar satisfações e obrigar Luigi a desfazer o estrago que a sua boca grande havia causado. Desejou ter palavras suficientes para expressar o quanto estava magoado com tudo aquilo e o quanto estavam sendo injustos com ele. E, por fim, quando recolocou o telefone no lugar, lamentou calado a própria covardia.

— Meu amor — uma voz doce e mortificada fez-se ouvir às costas de Breno. Ele se virou para encontrar a mãe, que já estendia a mão em sua direção. Ela usava um velho vestido florido e tinha os cabelos desgrenhados presos em um rabo de cavalo. De repente, Breno se deu conta de que não se lembrava de nenhum traço de vaidade na mãe, mesmo quando ela e o pai estavam casados. — Era você no chuveiro? Olha só pra você, está tremendo. Devia ter se agasalhado direito. Já tem gente demais espirrando pelos cantos da pensão.

Ele manteve um olhar inexpressivo enquanto a mãe tirava seu boné e passava os dedos por entre seus cabelos, ainda molhados — não muito, mas o suficiente para que dona Selma torcesse os lábios em reprovação.

— Precisa falar com alguém? — ela perguntou, olhando rapidamente para o telefone na mesinha de canto. — Pra dizer a verdade, meu bem, a mãe está preocupada com você. Tem alguma coisa que você queira me contar? — E, como Breno balançasse negativamente a cabeça, insistiu: — Tem certeza?

De repente, um lampejo de culpa atravessou o rosto do menino que, por um momento, não ousou levantar os olhos para encarar os da mãe. Ele tinha consciência dos problemas que Selma enfrentava todos os dias, sem trégua alguma, num esforço contínuo de manter a pensão e o que restava de sua família. Atormentá-la com mais aquela preocupação seria, no mínimo, injusto. Por isso, embora a verdade pulsasse em sua garganta, gritando para sair, Breno esboçou o sorriso mais convincente que conseguiu e enlaçou o pescoço da mãe com seus braços magros e ossudos.

— Você tá se preocupando à toa, mãe — disse ele, deslizando as mãos pelo velho casaquinho de lã que a envolvia. — Eu tomei banho mais cedo porque não queria deixar para a noite, quando com certeza vai estar bem mais frio. E, ah, o telefone? Não era nada importante. Eu só queria ligar para o Luigi e bater um papo com ele, mas lembrei que ele não está em casa. Saiu com a namorada, ou algo assim...

Do Fundo do Meu Coração - Dramas e Confidências de um Garoto ApaixonadoWhere stories live. Discover now