CAPÍTULO 1

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Breno encarou o despertador num misto de ameaça e descrença. Imerso no edredom, custava a aceitar o início de mais uma segunda-feira. (Não que seus finais de semana fossem muito melhores que as quatro repetitivas e entediantes horas que passava no colégio diariamente, mas podiam ser encarados, na pior das hipóteses, como pausas restauradoras).

O problema é que Breno nunca se sentia restaurado o suficiente. Talvez, na verdade, ninguém que fosse obrigado a levantar às sete da manhã de uma segunda-feira o sentisse. Mas ele sabia que bastava uma espreguiçada para que as coisas fluíssem e se desenrolassem naturalmente durante o trajeto até o colégio.

Foi com este pensamento, portanto, que Breno esfregou os olhos e deu uma coçadinha automática no bumbum enquanto se dirigia ao banheiro. Em pouco mais de cinco minutos, depois de realizar seus rituais de higiene pessoal e vestir o uniforme, ele já se encontrava no topo da escada que dava na área social da pensão.

O local, para variar, preservava a atmosfera de calor familiar, embora não fosse o cômodo mais movimentado da casa. A petrificada figura de Adélia, uma senhora esquisita que vivia sobre uma cadeira de rodas tão velha quanto a ocupante, compunha o cenário todas as manhãs, quase como uma peça da mobília - e, mesmo depois de tanto tempo, ainda era uma visão perturbadora que gelava os ossos do pobre Breno.

Daquela vez, não foi diferente.

— Bom dia — ela o cumprimentou com o tom de desdém de quem levanta com o pé esquerdo.

— Bom dia, dona Adélia— devolveu Breno, com a maior educação de que era capaz diante daquela mulher traumatizante. (Ignorou, porém, a cara de buldogue territorialista, um sinal de que ela não fazia a menor questão da resposta).

Foi então que a mãe de Breno surgiu do interior de seu mini-escritório, cuja porta dava para o curto corredor de entrada, fazendo com que o garoto se sentisse grato pela interrupção. Ela esfregava as mãos com impaciência, segundo seu velho tique, o que demonstrava que estava nervosa.

Dona Selma era dessas mulheres que poderiam matar até dois leões por dia, se preciso. Embora a vida nunca lhe tivesse sido generosa, ou que tivesse seus motivos para queixa, ela preferia pôr um sorriso no rosto e ostentar dignamente a faixa de guerreira. Fora durante o doloroso processo de divórcio que Selma acabara "herdando" a pensão que levava seu nome e, de quebra, uma oportunidade de recomeçar a vida.

"Seria preciso mais que um furacão Katrina para derrubá-la". A frase saíra da boca de uma das hóspedes da Pensão da Dona Selma, e Breno sempre concordou plenamente com ela.

— Por favor, mamãe, não me diga que alguém morreu.

Selma levantou a cabeça de súbito, como se não tivesse notado a presença de Breno até então. O olhar perdido, margeado por pequenas olheiras, indicava que ela não encontrava propósito para o que o filho havia acabado de dizer.

— Está se sentindo bem? Porque você não está com jeito de alguém saudável.

Boquiaberta, Selma gaguejou qualquer coisa antes de encontrar uma resposta que satisfizesse a curiosidade do filho:

— Me pegou, hein, mocinho? — ela disse, com um sorriso forçado. — A noite foi longa, meu filho. Não consegui pregar o olho um minuto. Parece que, não satisfeita em voltar justo quando tinha esquecido dela, minha enxaqueca chegou trazendo a velha insônia a reboque.

Por algum motivo, Breno sentiu que havia algo mais nas entrelinhas, mas não dispunha de muito tempo para especular. Então, quando a mãe o conduziu até a copa, sorrindo para a velha Adélia no caminho, ele simplesmente engoliu as próprias palavras.

Do Fundo do Meu Coração - Dramas e Confidências de um Garoto ApaixonadoOn viuen les histories. Descobreix ara