CAPÍTULO 27

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Com os olhos fixos no chão, Breno só percebeu que havia chegado quando a calçada deu lugar aos paralelepípedos. O sol parecia mais amistoso do que nos últimos dias, mas ainda faltava quase uma hora para que ele brilhasse em sua glória do meio-dia. Avançando pelo pátio da vila, o menino observou que cada pedra continuava em seu devido lugar e todas as flores balançavam conforme a mesma coreografia.

Era a harmonia intocada de uma manhã de terça-feira. Talvez a única perturbação fosse sua presença ali, tão fora de hora. Pelo menos foi assim que Breno pensou, já às portas de casa. Com os últimos horários vagos no colégio, ele imaginou que poderia chegar a tempo de ajudar a mãe nos preparativos do almoço.

Ele subia os degraus de concreto, já sentindo o aroma imaginário da comida, quando um movimento no outro lado do pátio lhe chamou a atenção. Olhou em direção à casa de Marisa, onde entrava um sujeito que ele logo identificou pelo rosto barbudo e pela careca reluzente. Breno sorriu ao se dar conta de que o padre Benedito nunca parecia um homem comum, mesmo sem a batina que usava em todas as missas.

Mas o sorriso logo se desfez. Em meio ao pequeno jardim espalhado pela varanda, o menino descobriu Marisa, tão cheia de pompa como quem recebesse um membro da família real. Ela o viu, mas o encontro de olhares durou apenas o suficiente para que ninguém mais percebesse. Breno fitou o chão e apertou o passo até chegar em casa. Só então, com a mão agarrada à maçaneta, pôde sentir-se em terreno seguro.

Do lado de dentro, ele se encostou na parede enquanto seu peito subia e descia em busca de ar. Girou os ombros e viu, pela janela, que Marisa e o padre ainda se cumprimentavam com uma alegria exagerada. Mesmo que não fizesse muito sentido, Breno enxergou naquele encontro matinal um arzinho de conspiração. Afinal, considerando os últimos acontecimentos, ele não se surpreenderia se os dois quisessem atraí-lo para algum retiro de cura e libertação no meio do nada.

De repente, um ruído abafado fez-se ouvir no silêncio da casa. Um barulho clandestino, que nada tinha a ver com o distante borbulhar das panelas. Então veio um murmúrio, algo que Breno tentou decifrar enquanto andava pelo corredor. Naquele instante, pé ante pé, sua mente já não conseguia recuperar a quietude de antes. Era a madeira do assoalho que rangia, uma mosca que zumbia no interior da casa, até mesmo as plantas que suspiravam, tocadas por uma brisa quase imperceptível. Na busca pela origem daquele som, cada canto poderia ser uma pista.

Em seguida Breno ouviu um estalo, uma respiração entrecortada, um gemido que surgiu ao mesmo tempo que a imagem no centro da sala. Ali no sofá, os dois trocavam carícias como um casal de adolescentes que namora baixinho para não acordar os pais. O rapaz avançou para mais um beijo, mas ela pareceu notar que havia mais alguém no recinto, pois desviou da investida com um risinho sem graça. Foi então que Breno reconheceu aquele som peculiar.

Ele encarou Francine quando ela se levantou. Apesar de surpresos, seus olhos não se prendiam a nenhum detalhe daquela cena. Em vez disso, era como se olhassem através dela, perdidos em algum ponto no vazio. Mas Breno sabia muito bem o que tinha visto. Sua visão periférica observou Tiago no canto do sofá enquanto ele se contorcia. Talvez quisesse encontrar uma posição confortável, ou apenas disfarçar.

— Eu avisei que não era uma boa ideia, mas... conhece o seu amiguinho, né? — Francine tentou fazer pose de durona, mas parecia tão desconcertada quanto Tiago. Ela se voltou para o namorado e imitou seu sorriso nervoso. — A criatura não tem juízo, deve ser defeito de fábrica. Bom, pelo menos eu não preciso apresentar ninguém. Parabéns, Breno, matou a charada.

— Faz quanto tempo? Quer dizer... — Breno virou-se de repente, cravando um olhar inquisidor em Tiago. — Tudo isso bem debaixo do meu nariz! Será que tem mais alguma coisa que eu perdi enquanto tava estudando?

Do Fundo do Meu Coração - Dramas e Confidências de um Garoto ApaixonadoTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon