CAPÍTULO 11

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Apesar das incontáveis tentativas de negação e da criança birrenta em seu interior que insistia em fazer corpo mole, Breno sabia que uma das coisas inevitáveis da vida eram as segundas-feiras. Foi por isso que, naquela manhã, ele levantou mais cedo do que de costume, tomou o café da manhã preparado pela mãe e, ao se despedir dela, não pôde deixar de notar traços de tristeza em seu rosto magro, embora ele parecesse mais iluminado do que nas outras vezes em que Breno a tinha visto desde a conversa com Fausto.

Sem tempo para se preocupar com o estado de espírito de dona Selma, ainda que seu coração contorcesse no peito a cada vez que ele se via forçado a encarar sua impotência diante daquela situação, Breno se arrastou até a porta da frente. De repente, no trajeto, as suas preocupações se misturaram a um emaranhado de números, fórmulas e símbolos indecifráveis, que surgiram em sua mente como um lembrete da prova de Matemática que deveria enfrentar.

Não que os estudos do dia anterior tivessem surtido algum efeito. Quanto mais corria os olhos pelos exercícios em seu caderno - na maior parte incompletos, sem respostas ou com resultados errados que ele havia esquecido de corrigir -, menos aqueles sinais faziam sentido aos olhos de Breno. Ele sabia que a culpa era dos seus próprios pensamentos, que se perdiam e alçavam voos malucos com cada vez mais frequência, e que ele não tinha ideia do que fazer a respeito. Mas sabia também que algo tinha que ser feito, ou as coisas iriam por água abaixo antes mesmo que ele se desse conta.

Breno se viu parado no meio da pequena varanda que separava a pensão do pátio da vila. A temperatura era amena e o dia parecia sem graça, o céu se apagando numa feia mistura de azul e cinza. Nem os numerosos pássaros que davam nome à cidade pareciam ter saído de seus ninhos àquela hora da manhã. Seria uma cena completamente apática, não fosse a surpreendente presença de Francine, que se debruçava na grade da varanda, envolvida pela fumaça espessa do cigarro entre seus dedos.

— Ei, piazinho — ela acenou para Breno com um sorriso enfumaçado, sem parecer nem um pouco constrangida com a aproximação dele. — Segura um pouco aí, fica quietinho. A fera trouxe uma presa para o café da manhã e vai sair a qualquer momento.

E então ela se virou para encarar a porta da frente da casa de Marisa Coutinho, situada bem em frente à pensão da Dona Selma, e Breno teve um arrepio com a simples imaginação do que as palavras de Francine tentavam lhe dizer.

— O que você está fazendo aqui tão cedo? — o menino perguntou, examinando os cabelos quebradiços da moça e as marcas em seu rosto, livre da maquiagem berrante que ela costumava usar. O cheiro do cigarro sempre incomodara Breno, mas quando se tratava de Francine era fácil relevar. Só então ele percebeu que a presença da amiga se fazia cada vez mais constante, ao contrário dos raros e divertidos momentos que eles costumavam compartilhar.

Mas ali, no parapeito da varanda, em sandálias rasteirinhas e roupas desleixadas que revelavam uma pele opaca e sem vida, Francine não parecia a mesma. Era sem dúvida uma jovem bonita, mas Breno precisava admitir que parte do encanto começava a se dissipar, assim como os anéis de fumaça que se desprendiam lentamente dos lábios dela.

— Eu queria ter uma resposta para essa pergunta — ela murmurou, a voz rouca, sem desviar os olhos do foco de sua atenção. — Você vai querer ver isso. Aí vem eles.

Ele seguiu o olhar de Francine até encontrar a figura sinistra e imponente de Padre Benedito, em sua batina negra que lhe dava um aspecto aterrorizante, saindo pela porta da frente da casa de Marisa Coutinho. Ele sorria na direção da anfitriã, que vinha logo atrás, e seus dentes levemente amarelados contrastavam com a barba grisalha. Então, trocaram algumas palavras gentis - que Breno não conseguiu identificar - antes que o padre se despedisse de Marisa com uma mesura exagerada e seguisse para fora da Vila Malta, um pequeno rosário de contas pretas enrolado nos dedos.

Do Fundo do Meu Coração - Dramas e Confidências de um Garoto ApaixonadoTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang